Título: Crise na zona do euro cria princípio de pânico global
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Fonte: Valor Econômico, 07/05/2010, Opinião, p. A12

A crise grega deixou de ser um tumulto localizado para se tornar um poderoso fator de instabilidade global. Desde a queda do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, os mercados não tinham visto um dia tão frenético e pesado em baixas em todos os ativos, das bolsas às commodities. A bolsa de Nova York teve a maior variação negativa ao longo de um dia desde o "setembro negro" de 1987, e chegou a recuar 9,2%, arrastando consigo o Standard & Poor"s 500, com -8,6%. O real chegou a perder 5,28% no meio da tarde, refletindo o desespero dos operadores e a saída de dólares provocada pela tentativa de cobertura de prejuízos em outros mercados pelos investidores externos.

O nível de risco existente nos mercados globais mudou de qualidade com as incertezas sobre se o pacote de auxílio à Grécia será suficiente e se outros países europeus de maior porte, como a Espanha, que têm déficits orçamentários enormes, serão obrigados também a recorrer à ajuda das autoridades da zona do euro e do Fundo Monetário Internacional. Mais do que os tardios avisos das desmoralizadas agências de classificação de risco sobre rebaixamento das dívidas de Portugal e Espanha, o pânico foi nutrido pela ameaça de interrupção dos fluxos de créditos entre os bancos, cuja concretização transformou a crise do subprime americana em um cataclismo global. Pesadamente envolvidos nas dívidas das nações que estão sob desconfiança dos mercados, bancos alemães, franceses, ingleses e espanhóis passaram a desconfiar da segurança de empréstimos que fazem entre si no mercado interbancário.

Dessa forma, com a perspectiva de um corte gradual dos créditos, Portugal e Espanha, por exemplo, terão um número significativamente menor de investidores dispostos a comprar ou rolar seus débitos, a taxas que já estavam em alta e que têm o potencial para explodir no curto prazo. O fim apocalíptico dessa história, vislumbrado nos momentos de pânico nos mercados, é o de uma grande crise das dívidas soberanas na Europa, sem uma saída clara e rápida à vista.

O desenrolar do socorro à Grécia enviou sinais de mau augúrio. Sem uma estrutura institucional para resolver dificuldades de países sócios, os governos da zona do euro mostraram indolência, má vontade e falta de visão ao deixar que a Grécia fosse empurrada à beira do abismo. Os dirigentes da principal economia da união monetária, a Alemanha, concentraram suas energias em conceder o menor volume de recursos possível com o máximo de restrições suportável. O custo dessa avareza não demorou a aparecer. Depois de impedirem o FMI de vir em socorro da Grécia, em nome de um orgulho transnacional que negavam na prática, os governos da zona do euro concordaram tardiamente em oferecer um pacote de assistência financeira de US$ 60 bilhões. Essa quantia, a maior já oferecida a um país, se revelou pífia poucos dias depois e a conta seguinte pulou para US$ 144 bilhões.

O que os mercados indicam agora é que possivelmente os líderes europeus se enganaram mais uma vez. As interpretações sobre a lentidão na arregimentação de auxílio financeiro à Grécia são lógicas. A demora evidenciou falhas institucionais na estrutura da união monetária que podem, no limite, levá-la a sucumbir. A Grécia foi apresentada como um caso excepcional de assistência, dada aliás, a contragosto. Mas agora é a Espanha, com US$ 1,1 trilhão de dívidas, que está na berlinda, e Irlanda (US$ 867 bilhões) e mais remotamente, Itália (US$ 1,4 trilhões) podem ser tragadas pelas turbulências. As dúvidas sobre a rapidez de uma resposta a uma situação de crise nesses países, que deixaria a falência grega parecendo um episódio menor, são pertinentes. E mais inquietante ainda é a incerteza sobre se haverá recursos suficientes para amparar os grandes devedores diante de fortes pressões dos investidores.

Depois de terem tentado resolver por si próprios uma crise em seu quintal, os líderes da zona do euro falharam e espalharam insegurança novamente nos mercados globais. Somadas, as exposições de bancos franceses, alemães, ingleses e espanhóis ultrapassam US$ 2 trilhões, dinheiro suficiente para causar estragos tão grandes na Europa como a farra dos empréstimos subprime provocaram nos EUA. Enquanto a chanceler alemã Angela Merkel se preocupava com os eleitores da Renânia do Norte, a zona do euro brincava com fogo. Perdeu-se um tempo enorme para se chegar a uma pseudo-solução - a Grécia precisa reestruturar seus débitos, impagáveis até mesmo depois da ajuda financeira - e sequer foram colocados de pé mecanismos de decisão ágeis para novos momentos de crise, bastante previsíveis.

O pânico dos mercados globais ontem foi um claro aviso de que um mecanismo de socorro às economias endividadas da união monetária europeia já deveria existir e atuar, da mesma forma como os governos nacionais, após breve hesitação, agiram para evitar que as consequências da crise financeira fossem ainda piores do que foram e se concertaram no G-20. O alerta dos mercados pode ou não surtir efeito. Em caso negativo, a economia europeia, cuja recuperação marca passo, voltará à recessão e retirará ímpeto do crescimento global. Essa é uma hipótese suave. Na pior delas, vários grandes bancos europeus, já bastante machucados pela crise financeira anterior, serão colocados à beira da falência. A zona do euro pode não suportar um choque tão grande.