Título: Contágio põe aperto monetário em xeque
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2010, Finanças, p. C3

O Comitê de Política Monetária (Copom) trouxe a crise europeia para o holofote num dia em que os investidores mostraram intolerância com a lentidão no resgate da Grécia. O mercado entendeu que a ata do Copom indicou a possibilidade de aprofundamento do processo recessivo na zona do euro, que poderia, num cenário de contágio, aliviar o ciclo de aperto monetário no Brasil.

"O alerta feito na ata sobre o cenário externo tirou do BC o compromisso de manter o ritmo de ajuste da Selic em 0,75 ponto percentual - dado como certo pelo mercado", comenta um executivo que prefere manter o anonimato.

Ele entende que se o mercado internacional piorar, o que pode ocorrer com o contágio das economias centrais, não se deve descartar a interrupção do ciclo de aperto monetário deflagrado pelo BC há uma semana.

"Em 2008, o Copom elevou o juro em 0,75 ponto em julho e interrompeu o ciclo em setembro, alertando o mercado para as incertezas colocadas no cenário externo. Isso pode se repetir, mas não estamos nesse estágio. A possibilidade de contágio é muito baixa", avisa.

Para Zeina Latif, economista-chefe do ING, a ata do Copom deu a dimensão devida à questão externa. "Em última instância, o BC indicou que a crise importa para as suas decisões, dependendo do impacto no câmbio e nas commodities. O que importa é o resultado líquido do comportamento dessas variáveis. A ata aponta para o efeito do contágio mais básico e não no mercado de crédito. O cenário externo está longe de ser desprezado pelo Copom e foi citado várias vezes, mas não é o fator preponderante que está norteando a política monetária".

Marcelo Carvalho, economista-chefe para Brasil do Morgan Stanley, destaca a importância de o Copom mencionar o cenário externo em sua ata, "citando um cenário que pode ser revisitado rapidamente e pela ótica de que o risco desse cenário pode ser deflacionário e não inflacionário".

Outro economista, que prefere não ser identificado, pondera que, se o Copom não tivesse dúvidas sobre o alcance da crise grega do ponto de vista sistêmico, "talvez a Selic tivesse subido 100 pontos-base na última reunião". Ele avalia que esta quinta-feira mostrou que o Copom decidiu adequadamente.

A tensão nos mercados tende a afetar as projeções dos analistas para a próxima reunião do Copom, normalmente precedida de posicionamentos no mercado futuro de juros.

Mas economistas concordam que o Copom segue focado no aquecimento da atividade como indicou claramente a ata divulgada ontem.

"A ata é consistente com dados recentes que mostram a economia aquecida e que justificaram, portanto, a ação incisiva do Copom e a elevação da Selic em 0,75 ponto percentual em 28 de abril", afirmou Marcelo Carvalho, para quem o documento mostrou um BC atento e reconhecendo que a economia está crescendo acima do potencial.

Para Zeina Latif, "a ata está redonda, ao contrário da anterior que estava confusa". A economista-chefe do ING considerou a ata "consistente e clara", mas entende que o BC segue com problemas de comunicação.

"A ata mostra que o BC já estava enxergando riscos inflacionários que pioraram. Mas o presidente do BC, Henrique Meirelles, não teve um tom tão duro quando esteve no Senado e foi questionado sobre a manutenção da Selic, em março. No Senado, Meirelles disse que o BC não estava surpreso com a robustez da economia", lembrou Zeina.