Título: Cresce preocupação com falta de mão de obra qualificada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2010, Opinião, p. A14
O crescimento do mercado de trabalho no primeiro trimestre reacendeu o debate entre economistas e empresários sobre o pleno emprego no país. Uma discussão aparentemente apenas acadêmica, mas que reflete a preocupação geral no mundo dos negócios sobre as deficiências na formação e na oferta de mão de obra no país.
O mercado de trabalho foi extremamente positivo, com forte criação de empregos e avanço da renda nos três primeiros meses do ano. A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas encerrou março em 7,6%, um pouco acima dos 7,4% de fevereiro, mas muito abaixo dos 9% do mesmo mês do ano passado. Na série livre de influências sazonais, a taxa ficou em 7%, a menor da série histórica iniciada em 2001, segundo cálculos de especialistas, o que significaria que o mercado de trabalho já se encontra numa situação de pleno emprego, com um nível de desemprego que acelera a inflação.
Tem sido marcante a tendência de aumento da ocupação a cada mês. Em março, a população ocupada aumentou 3,8% em relação ao mesmo mês de 2009, um ritmo superior aos já elevados 3,5% de fevereiro. Em novembro do ano passado, a alta tinha sido de 0,7% nessa base de comparação. A forte demanda no mercado doméstico tem dado confiança às empresas, que contratam mais para atender a um consumo que se afigura como expressivo nos próximos meses.
Nesse ritmo, já há quem espere que a taxa média de desemprego possa chegar a dezembro abaixo de 7%, num cenário de forte crescimento da atividade econômica, também na casa dos 7% em relação ao ano passado. Se confirmada, será a menor taxa média de desocupação da série iniciada em 2001. Ou seja, se essas expectativas se materializarem, acredita-se que o desemprego no Brasil já atingiu ou atingirá em breve níveis que causam a aceleração da taxa de inflação. Estudo de José Marcio Camargo, da PUC-Rio, por exemplo, aponta que uma taxa de desocupação de 7,5% a 8% tende a provocar pressões inflacionárias, ao levar os salários a crescer acima da produtividade. Em março, a massa salarial cresceu 5,2% sobre março de 2009, em termos reais.
Já o diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e da Economia do Trabalho da Unicamp, Anselmo Luiz dos Santos, disse ao Valor que houve redução importante da desocupação nos últimos anos, em função do crescimento econômico mais forte a partir de 2004, mas considera que o país ainda está longe de uma situação de pleno emprego. A metodologia da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE mede apenas o chamado desemprego aberto, que classifica como desocupado quem procurou trabalho nos 30 dias anteriores. Quem não procurou emprego ou fez algum bico no período não entra na estatística dos desempregados da pesquisa do IBGE. Na pesquisa da Fundação Seade/Dieese, que inclui também a desocupação oculta por desalento (quem não foi atrás de emprego nos últimos 30 dias) e o desemprego oculto por trabalho precário (quem faz bico, por exemplo), a taxa é bem mais alta - 13,7% no mês passado, mesmo assim a menor para um mês de março desde 1998.
Entre dirigentes de empresas, já é bem real a preocupação com a oferta de trabalhadores e sua qualificação, além das reivindicações de maiores reajustes salariais. Essa inquietação ficou evidente na fala de empresários e dirigentes de companhias que participaram, em abril, da entrega do prêmio Executivo de Valor. Consultados, a maioria dos dirigentes mostrou-se apreensiva com as pressões vindas dos preços mais elevados de matérias-primas, como os dos derivados de minério de ferro, e dos reajustes de salários. No evento, o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, afirmou, por exemplo, que o banco já está encontrando dificuldades para contratar gerentes para trabalhar nas agências que estão sendo abertas.
A situação do mercado de trabalho é especialmente grave no setor de construção civil. O aquecimento do segmento no primeiro trimestre do ano fez com que a atenção dos empresários se voltasse ainda mais para a dificuldade de obter mão de obra qualificada. Segundo sondagem da Confederação Nacional da Indústria, a falta de trabalhador qualificado passou de segunda para primeira preocupação dos empregadores neste começo de ano, comparado ao último trimestre de 2009. Nos últimos três meses de 2009, o primeiro lugar era ocupado pela elevada carga tributária.
A expectativa é que o problema se agrave no curto prazo, mas que aos poucos se normalize, como resultado de investimentos das próprias empresas em qualificação desde que o setor começou a ficar mais aquecido no ano passado. A pesquisa da CNI mostra que o nível de atividade da construção se intensificou no primeiro trimestre de 2010. Em março, o indicador do setor ficou em 55,8 pontos, onde números acima de 50 pontos indicam aumento da atividade. O índice está 2,6 pontos acima do resultado de fevereiro. Isso significa que mais empresas responderam que a atividade cresceu mais em março do que no mês anterior. Também há mais empresas neste começo de ano dizendo que contrataram mais que no último trimestre de 2009. Segundo a sondagem, o indicador da evolução do número de empregados ficou em 56,4 pontos, ante 53,6 no período anterior. O índice acima de 50 pontos mostra que há mais empresas contratando do que demitindo e a expectativa é que o ritmo de contratações aumente mais.