Título: Serra ataca atuação do Banco Central na crise
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2010, Política, p. A8
A atuação recente do Banco Central foi colocada abertamente em xeque ontem pelo pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, José Serra. Em entrevista à rádio CBN, Serra disse que o BC "não é a Santa Sé" e que errou ao não baixar os juros durante a crise financeira internacional, iniciada em setembro de 2008. "Não abaixar os juros num contexto que não tinha inflação, que tinha deflação, simplesmente foi um erro", afirmou o pré-candidato tucano. "Ninguém em sã consciência pode defender a posição de que quando há condições para baixar a taxa de juro e o Banco Central não abaixa, ele está certo", afirmou o pré-candidato do PSDB.
Serra ressaltou que o Brasil foi o último país do mundo a reduzir os juros após a eclosão da crise e disse que o país poderia ter uma taxa menor. "E eu estou preocupado agora com o fato de que o Brasil continua, entra governo, sai governo, com a maior taxa de juros do mundo. O governo passado era muito atacado por isso, mas esse governo voltou, é a maior taxa de juros em termos relativos", disse. Caso eleito, sinalizou que, pelo menos no curto prazo, a margem de manobra para baixar juros é pequena, mas disse ser preciso aproveitar as oportunidades no futuro para cotar a taxa Selic "sem traumas para a economia".
Segundo Serra, a combinação de regime de câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e sistema de metas de inflação, implementado desde o governo FHC, vai continuar caso seja eleito e que sua declaração de que o juro deveria ter caído no início da crise não deve ser motivo de susto, especialmente ao mercado financeiro. "Eu conheço economia, sou responsável, fundamento todas as coisas que penso a esse respeito e a esse propósito você e o pessoal do sistema financeiro podem ficar absolutamente tranquilos que não vai ter nenhuma virada de mesa", afirmou Serra em entrevista à rádio, ao responder à jornalista Miriam Leitão.
Para o pré-candidato, apontar um erro do BC não quer dizer que ele seja contra a autonomia de trabalho do banco. "O que tem que dar é tranquilidade para o pessoal do Banco Central operar, não ficar interferindo a todo momento", disse o pré-candidato do PSDB. Serra, contudo, afirmou que em alguns casos, o presidente deve se posicionar. "Se houver erros calamitosos, que é perfeitamente possível de diagnosticar, acho que o presidente tem que fazer sentir a sua posição, como aliás o atual governo faz e como o presidente Fernando Henrique fazia também sem que isso causasse qualquer estresse ou ataques de nervosismo", disse. A assessoria de imprensa do BC evitou comentar as declarações de Serra e disse que "não vai entrar em debate eleitoral".
Na entrevista de ontem, o pré-candidato tucano defendeu reformas no Mercosul. "Acho importante salvar o Mercosul", disse. Para Serra, o bloco "não tem livre comércio" citando problemas na venda de produtos brasileiros dos setores automotivo e de açúcar no mercado argentino. Serra criticou ainda o imposto de importação comum a produtos vindos de fora do Mercosul, o que impede acordos bilaterais dos países do bloco com outros países. Para Serra, as reuniões dos presidentes dos países do Mercosul "passaram a ser mais um espetáculo e avanço concreto não tem".
Sobre os royalties do petróleo, afirmou que os recursos deveriam ser distribuídos a todos os Estados do país, mas que os produtores devem receber mais, "como em qualquer país do mundo". Segundo o pré-candidato, os royalties do pré-sal devem ser voltados investimentos para que o país possa crescer bem. "O Rio e o Espírito Santo tem que ser preservados", disse. "O projeto de lei que foi aprovado tiraria de uma dia para outro os royalties do Rio e do Espírito Santo, eles teriam que fechar para balanço, seria uma tragédia", afirmou Serra, que defendeu também o pagamento de royalties sobre o minério de ferro.
Serra disse que a ideia de que daria início a mais privatizações em um eventual governo seu é "trololó" e "coisa do jogo eleitoral" e negou que pudesse privatizar o Bando do Brasil ou a Petrobras. O pré-candidato defendeu a reforma na Previdência, a manutenção do programa Bolsa Família com a criação de políticas de educação profissionalizante. Na área de energia, defendeu a maior exploração das opções de energia alternativa, como a eólica ou a do bagaço da cana. Se posicionou a favor da hidrelétrica de Belo Monte, mas disse não ver "motivo para fazer atropeladamente".
Serra criticou ainda o aparelhamento estatal nas agências reguladoras, criadas na gestão Fernando Henrique. Se eleito, disse que mesmo com pressão da base aliada, trabalharia no Congresso por meio de emendas parlamentares.
O pré-candidato se disse favorável à ideia do plano de banda larga, lançado na semana passada pelo governo, mas questionou se o uso da Telebrás para levar adiante o projeto seria necessário. "Criar empresa que implica em já gastar no ano que vem, se não me engano, R$ 16 bilhões, que governo teria que gastar com tantos outros problemas no Brasil, é preciso ver se é realmente a melhor opção".
Sobre as relações com a Venezuela, defendeu "relação amistosa e positiva" com o país. Em referência à intenção do governo brasileiro de ajudar no entendimento entre árabes e israelenses no Oriente Médio, afirmou que torce por isso, mas avalia que o Brasil não tem capacidade de interferir nesse tipo de negociação. (Colaborou Fernando Travaglini, de Brasília)