Título: Pacote europeu acalma os mercados no curto prazo
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Fonte: Valor Econômico, 11/05/2010, Opinião, p. A12

Os países da zona do euro pararam de brincar com fogo e lançaram um megapacote financeiro para blindar as nações mais endividadas da união monetária e evitar o contágio da crise grega sobre suas economias. A mudança explica-se facilmente pela absoluta erosão da confiança dos mercados nos títulos dos governos da Espanha, Portugal e Irlanda. Após o susto da quinta-feira, quando os mercados globais foram tomados pelo pânico, ficou mais do que claro que a crise grega tinha um potencial destrutivo capaz de colocar a moeda única em colapso. O pacote foi comemorado pelos mercados com fortes altas nas bolsas.

A inacreditável letargia dos líderes europeus em sair em socorro da Grécia e a franca hostilidade alemã contribuíram para elevar a conta dos estragos gregos. Há um mês, os governos do euro, com Alemanha à frente, acreditavam que era possível estancar a crise, punir a Grécia e dar uma satisfação aos mercados com uma ajuda de apenas 30 bilhões. Após um tardio choque de realidade, e um apelo do presidente Barack Obama para uma ação decisiva dos líderes europeus, foi montado um pacote de quase US$ 1 trilhão que pode reverter a deterioração das expectativas de curto prazo sobre o destino dos países endividados da região.

Para isso, foi preciso convencer a ortodoxa Alemanha e mudar os rumos do Banco Central Europeu para que ele pudesse intervir fortemente em todos os mercados de títulos, algo que o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, prometeu não fazer. Não se trata apenas de uma idiossincrasia. O banco está se metendo em um caminho cheio de riscos ao comprar títulos de governo em dificuldades, ação que escancara a porta a pressões políticas das quais ele até agora esteve imune. Na hora da crise, porém, a política é outra. Na crise do subprime nos EUA, o Federal Reserve entrou em terreno desconhecido ao garantir títulos privados (commercial papers e papéis de bancos) e injetar doses cavalares de liquidez nos mercados.

Diante de uma situação limite, que pode sair de controle a qualquer momento - os países da zona do euro estavam claramente nessa situação - , os princípios para os tempos de calmaria frequentemente se revelam ineficazes. A solução encontrada, apesar das contraindicações, podem mudar o jogo e preencher falhas estruturais da constituição da união monetária. A criação de um fundo de estabilidade de emergência pode ser um embrião para o que a zona do euro não tinha e precisava desesperadamente - um mecanismo institucional para auxiliar países em dificuldades.

Um fundo de 440 bilhões será constituído como um "veículo" de propósitos específicos, de propriedade dos governos dos 16 países que têm o euro como moeda. Esse fundo, em princípio com duração de três anos, venderá bônus garantidos pelos governos e, com os recursos obtidos, comprará bônus dos países que precisam de auxílio financeiro. Não é ainda o Fundo Monetário Europeu que se cogitava, mas seus efeitos práticos são em parte semelhantes. Ele joga o peso do conjunto da economia da zona do euro na salvação de países desgarrados pelas dívidas. "Quem tinha um papel grego na semana passada estava exposto ao risco da Grécia quebrar", afirma um relatório do Citibank de Nova York. "Agora ele está exposto ao risco Europa, já que o papel é efetivamente bancado pelos outros governos da zona do euro".

A crise que se iniciou na Grécia e ameaçava implodir países endividados mais importantes forçou então os mercados a tratarem a zona do euro como um conjunto, que aparentava ser e não era, e criou uma escora para evitar que novos casos como o grego implodam a moeda comum. Nem tudo é tão simples e há enorme ceticismo entre os analistas sobre o futuro, já que o problema do alto endividamento não foi resolvido. Além disso, o Banco Central Europeu ficou amarrado por uma política de juros muito baixos por um longo tempo. E, por fim, vários líderes europeus precisaram ser convencidos de última hora da necessidade de um pacote quase trilionário para evitar uma crise de grandes proporções, o que não é uma garantia de que os mecanismos acordados irão funcionar sem atritos e rapidamente, como a situação exige.

Por outro lado, ainda que o mar de dívidas em que os países europeus estão imersos seja um problema grave, ele terá de ser resolvido gradativamente e não por medidas heroicas, como agora se exige dos gregos - uma economia de 11% do PIB em três anos. A onda de pressão por cortes de gastos profundos e aumento de impostos poderia resultar em um aborto do já raquítico crescimento da zona do euro. As medidas contidas no pacote para salvar a zona do euro dão um tempo precioso para a política fiscal, que poderá ser moderadamente apertada, e assegura que os juros que serão pagos na rolagem e amortização de débitos gigantescos poderão ser baixos.

Enquanto enfrenta uma batalha decisiva no front econômico, os governos da zona do euro discutem formas de apertar os controles sobre os países que descumprem metas fiscais do bloco e procuram dotá-lo de meios mais efetivos de supervisão. A solução lógica seria capturar também as políticas fiscais nacionais e criar uma única política para a zona do euro. Depois de retirar dos países suas políticas cambial e monetária, isso seria impossível no atual estágio da integração. As tensões terão de ser amortecidas por mecanismos de transição, para os quais o pacote trilionário dá sua contribuição.