Título: BCE surpreende com compra de bônus soberanos e alivia mercado
Autor: Barber , Tony
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2010, Finanças, p. C2

O Banco Central Europeu (BCE) entrou em território desconhecido, ontem, ao comprar títulos públicos de governos da zona euro, como parte de um enorme esquema de apoio financeiro que animou os mercados e aliviou a pressão sobre os países mais endividados da área. Ações de empresas europeias, lideradas pelas do setor financeiro, subiram acentuadamente, assim como os preços de títulos da Irlanda e de Portugal. O mercado de títulos grego teve sua maior alta num só dia desde que a Grécia entrou na zona euro, em 2001. As tensões foram aliviadas nos mercados financeiros de curto prazo e o euro subiu, em determinado momento, mais que 2% contra o dólar.

Mas a inciativa do BCE provocou uma rara cisão pública em seu conselho de administração, quando o alemão Axel Weber, presidente do Bundesbank, manifestou-se em desacordo com a medida, "mesmo numa situação excepcional", devido a seus riscos inflacionários.

Nos termos de um plano envolvendo 750 milhões (US$ 960 bilhões), acordado na madrugada de ontem, os Estados da zona do euro irão oferecer 440 bilhões em garantias de empréstimos para os governos que virem-se em graves dificuldades. Haverá um aumento de 60 bilhões numa linha de crédito para o balanço de pagamentos da União Europeia e o FMI contribuirá com outros 250 bilhões.

No entanto, nenhum dinheiro será desembolsado, a menos que os beneficiários realizem rigorosos ajustes fiscais e implementem programas de reforma estrutural monitorados pelo FMI - o que muitos economistas consideram uma receita para deflação prolongada e mais problemas na zona euro. Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, negou que os 16 governos na zona do euro tinham imposto ao banco um programa de compra de títulos. "Somos vigorosa e totalmente independentes", declarou.

Jean-Claude Trichet disse que a iniciativa foi aprovada por "maioria esmagadora" no Conselho do BCE - um reconhecimento implícito de que houve oposição. O BCE negou-se a explicar a escala da intervenção no mercado de títulos da zona euro. Os mercados financeiros ficaram aliviados em ver a zona do euro reagir após oito meses de indecisões e de recriminações mútuas durante a crise da dívida soberana grega. "Houve altas espetaculares em muitos mercados. Esse pacote de apoio expulsou o medo", disse Jim Leaviss, chefe de investimentos em renda fixa na M&G Investments.

José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, disse: "O acordo desta manhã garantirá que qualquer tentativa de minar a estabilidade do euro não terá sucesso". Angela Merkel, chanceler da Alemanha, tentou amainar os temores de que as ações não ortodoxas do BCE criavam riscos de acumular pressões inflacionárias, dizendo em Berlim que o banco central não iria expandir a oferta monetária oferta para comprar dívidas soberanas.

Banqueiros e economistas elogiaram a iniciativa da zona do euro, qualificando-a de esforço corajoso visando aliviar o estresse nos mercados financeiros, mas alertou que as dificuldades da área têm raízes profundas e poderão provocar mais turbulência ainda por muitos anos.

"Isso não resolve o problema estrutural - as terríveis perspectivas de crescimento econômico dos países meridionais na zona euro e da Irlanda", disse Simon Tilford, economista-chefe do Centro para Reforma Europeia. "A menos que essas economias possam evitar a deflação e repor suas economias em crescimento, eles não terão futuro na zona do euro".