Título: Pacote pode enfraquecer disciplina fiscal na região
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Fonte: Valor Econômico, 11/05/2010, Finanças, p. C8

Um pacote de 750 bilhões (US$ 955 bilhões) para os governos da zona do euro que enfrentarem problemas fiscais criou outro desafio urgente para os políticos europeus: como manter na linha os governos que gastam demais. Os recursos do pacote, junto com um compromisso do Banco Central Europeu de comprar títulos soberanos, "enfraqueceram os incentivos para a disciplina fiscal" na zona do euro, diz Marco Annunziata, economista-chefe do UniCredit Group em Londres.

Economistas dizem que a zona do euro precisa de mais disciplina orçamentária e coordenação fiscal muito maior se quiser que a moeda comum sobreviva. Mas outros esforços da Europa para interferir no direito dos governos de definir suas políticas orçamentárias já fracassaram.

Onze anos sob uma moeda comum aproximaram mais do que nunca os 16 países da zona do euro. Tão perto que quando a Grécia, que responde por apenas 2,5% da economia da zona do euro, apresentou problemas com sua dívida, isso começou a ameaçar a união monetária inteira.

Isso ocorre porque os sistemas financeiros dos países da zona do euro se tornaram muito mais interligados sem que a maioria se desse conta. Como não havia risco cambial, bancos, seguradoras e fundos de pensão de todas as economias da zona do euro se tornaram os maiores investidores de títulos emitidos pelos governos de outros países que usam a moeda. Isso significa que, se a Grécia ou outro governo entrasse em moratória, causaria um efeito dominó na saúde financeira dos bancos do bloco. Esse risco aos bancos elevou até pequenas economias europeias à categoria de "grandes demais para falir".

Annunziata diz que também ficou claro que a moratória de um país forçaria uma alta nos juros de títulos emitidos por outros governos europeus, aumentando o custo do crédito talvez para níveis proibitivos. "Assim, meu problema de dívida se torna seu também", diz ele.

Embora as políticas orçamentárias dos membros da zona do euro estejam assim interligadas sem que a maioria realmente esteja ciente, não havia mecanismos para evitar que os mesmos governos gastassem exageradamente. A responsabilidade fiscal na zona do euro deveria ser garantida pelo Pacto Europeu de Estabilidade e Crescimento, que estabelecia déficit público máximo de 3% do PIB, e endividamento máximo de 60% do PIB. Mas, na prática, o pacto não tinha poder real.

Agora, em apenas duas semanas, as perspectivas de disciplina fiscal receberam dois outros golpes severos: o pacote de 110 bilhões para a Grécia e o gigantesco plano de socorro montado durante o fim de semana.

Esses pacotes passaram por cima de regras que muita gente achava que proibia pacotes de socorro na zona do euro. As iniciativas também enfraquecem os incentivos de mercado para que os governos ponham a casa em ordem.

A iniciativa do fim de semana foi reforçada pela decisão do BCE de comprar títulos de países da zona do euro cujos mercados "não estão funcionando", que levou o banco central a começar já na manhã de ontem a adquirir títulos soberanos. "Os países gastadores agora podem contar com o BCE para aliviar a pressão do mercado, que poderia ser o único fator disciplinador antes de se chegar a uma situação de crise", diz Annunziata.

Assim, o principal arquiteto da disciplina fiscal na zona do euro é um ator externo: o Fundo Monetário Internacional, que só empresta com promessas de mudanças no orçamento governamental. Mas isso também não é tão ruim assim, já que os recursos para socorrer países da zona do euro são o triplo do que está disponível no programa habitual do FMI para nações que não integram a união monetária.

O vácuo de disciplina fiscal é prontamente reconhecido hoje em dia pelas autoridades europeias. Numa tentativa de melhorar esse sistema, Olli Rehn, o comissário de Economia da UE, deve propor amanhã um novo conjunto de regras com mecanismos claros de fiscalização, para evitar endividamento governamental e déficit excessivos, e permitindo que o executivo do bloco aja mais decisivamente durante uma crise de dívida.

Entre as propostas há um plano para que os outros países da zona do euro examinem os orçamentos nacionais antes de eles serem aprovados pelos respectivos parlamentos. Os membros poderiam assim rejeitar o orçamento com um voto da maioria absoluta, sem direito de voto para o país cujo orçamento está sendo examinado.

Durante anos, os governos europeus se recusaram a estudar qualquer iniciativa de interferência no que consideravam o direito soberano deles de definir seus próprios impostos e gastos governamentais. Essa resistência começou a enfraquecer diante da crise, diz Amadeu Altafaj Tardio, porta-voz de Rehn. "Alguns anos atrás, ninguém podia cogitar essas questões. Não se podia nem discuti-las."

As propostas de Rehn não devem ser o último esforço para introduzir alguma disciplina fiscal na zona do euro. O presidente da UE, Herman Van Rompuy, comanda um grupo de trabalho para encontrar uma resposta à agora urgente questão, grupo este que recebeu ordens dos líderes europeus para acelerar seus estudos.

Mas efetivar mudanças que dariam à Comissão Europeia ou outros governos um controle real sobre os orçamentos nacionais é mais fácil de falar do que de fazer, diz Simon Tilford, do Centro para Reforma Europeia, em Londres. Os governos "vão dizer tudo que se quer ouvir", diz ele. Mas a polêmica, especialmente na Alemanha, em torno do socorro à Grécia sugere que as crises da zona do euro não serão resolvidas sem rancor entre os membros.

De fato, os problemas da zona do euro são mais profundos do que a falta de coordenação na política fiscal. No fundo, diz ele, a estrutura das economias do sul da Europa precisa ser reformada para que se tornem mais competitivas e possam compartilhar a mesma moeda que a Alemanha. "Essa questão não será resolvida por um dois governos apertando o cinto nos gastos públicos", diz ele.