Título: Premiê modernizou os conservadores
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2010, Especial, p. A14
David Cameron começou a ir de bicicleta ao Parlamento britânico. Pedalava de sua casa, no oeste de Londres, em Notting Hill, um bairro da moda que se tornou reduto dos abastados descolados. O problema é que se descobriu que sua pasta e os sapatos faziam o mesmo trajeto separadamente, em um carro com motorista. Apesar de ter sido ridicularizado pela farsa, Cameron tem tentado com certo sucesso remoldar a imagem de seu Partido Conservador. Em vez do antigo partido dos nobres britânicos, ele seria agora como o próprio líder dos conservadores: amigável em relação ao ambiente, ligado ao povo, como aqueles que montam em suas bicicletas para ir ao trabalho. Essa estratégia de relações públicas esbarra na desconfiança que boa parte dos britânicos tem em relação ao bem formado político, vindo de uma família de classe alta. E a farsa dos sapatos não ajudou. Cameron - que assume o cargo com 43 anos e sete meses de idade e se torna o mais jovem líder britânico desde 1812 -, apostou sua reputação política nessa reforma de imagem. E seu partido, tão identificado com a direita, inclinou-se para o centro. Ele recrutou mais mulheres e minorias, declarou sua lealdade aos serviços públicos e com cautela tentou levar os conservadores para longe da sombra de Margaret Thatcher, a popular líder que dominou a política britânica nos anos 80, mas que também gerou grande polarização. Mesmo assim, a imagem de filho de uma família privilegiada persiste. O biógrafo e jornalista James Hanning disse que Cameron será "sem dúvida a pessoa mais privilegiada a se tornar primeiro-ministro desde Alec Douglas-Home", um nobre conservador que governou quase meio século atrás. Nascido em uma família rica, Cameron estudou no Eton College, responsável pela educação de dezenas de ministros e grande parte da realeza. Depois foi para a Universidade de Oxford, seguindo imediatamente para trabalhar com os conservadores, durante o governo de John Major. Seu avô materno era um baronete escocês, descendente do rei William IV (com uma amante). As conexões da família o ajudaram a entrar no establishment, o que serviu para que os trabalhistas o classificassem de "esnobe". David William Donald Cameron reagiu pedindo a seus apoiadores para chamá-lo de Dave. Tentou cada vez mais tornar público seu gosto pela cerveja Guinness, pelo jogo de dardos e por peixe e batatas fritas - o "prato oficial" dos pubs britânicos. Após a experiência na burocracia do partido, ele partiu para uma carreira de executivo numa grande empresa de relações públicas. Ficou lá sete anos. Até que, em 2001, se voltou em definitivo para a política ao se eleger para a Câmara. Quatro anos depois, tornou-se líder do partido. Os conservadores, que tinham governado o Reino Unido por 18 anos sob Margaret Thatcher e John Major, estavam então desmoralizados por três derrotas eleitorais e procurando um líder que pudesse fazer frente ao carisma e juventude de Tony Blair. Por ordem sua, o logotipo do partido foi redesenhado: em vez de uma tocha flamejante, uma árvore ecologicamente correta. Os críticos reclamaram que ela parecia um brócolis. As queixas continuaram entre os mais tradicionalistas quando Cameron começou a desmontar as peças do legado de Thatcher. Foi uma era de mea culpa. Ele pediu desculpas pela recusa do partido em apoiar as sanções sobre o regime do apartheid na África do Sul, deu uma amolecida em sua posição cética em relação à Europa e abraçou de corpo e alma o Sistema Nacional de Saúde britânico - uma questão à qual ele repetidamente voltou, muitas vezes citando o excelente atendimento público a seu filho Ivan, que morreu no ano passado de paralisia cerebral e uma doença rara e grave de epilepsia. As reformas de Cameron levaram os conservadores a uma consistente liderança sobre os trabalhistas nas pesquisas de opinião. Isso só não ocorreu alguns meses após Blair deixar o cargo, em meados de 2007, quando seu sucessor, Gordon Brown, teve uma breve lua de mel com os eleitores. Agora resta saber se ele conseguirá implementar as medidas urgentes que promete para reduzir um déficit fiscal. Ou se essas promessas são tão vazias quanto as viagens de bicicleta ao trabalho, enquanto os sapatos vão de carro.