Título: Volatilidade afeta bônus brasileiros
Autor: Pinto, Lucinda; Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2010, Finanças, p. C1

de São Paulo Após a euforia provocada pelo plano de socorro à zona do euro, a instabilidade ainda toma conta dos negócios no mercado secundário de bônus emitidos por empresas brasileiras. Levantamento realizado pelo Valor Data mostra que os papéis emitidos por grandes empresas dispararam na quinta-feira, quando a aversão ao risco provocou forte deterioração dos ativos globais. Ontem, as taxas oscilaram muito ao longo do dia e, no fim da tarde, algumas permaneciam acima dos níveis praticados na emissão dos papéis. A perspectiva apontada por especialistas é de contínua volatilidade nos próximos dias. No caso do eurobônus de dez anos emitido em janeiro deste ano pelo BNDES, a taxa de retorno negociada no mercado secundário recuou de 5,946% na sexta-feira para 5,687% ontem, mas permanecia acima da taxa paga no dia da emissão primária, de 5,63%. Já o papel da BRF Brasil Foods tinha yield ontem de 7,321%, ante 7,375% na emissão, e 7,677% na sexta-feira. A leitura dos especialistas é de que cautela e, consequentemente, a volatilidade, voltaram a dar o tom aos negócios ontem, o que deve prosseguir nos próximos dias. Ontem, o dólar, que chegou a cair 0,11% na mínima do dia, fechou o pregão com valorização de 0,33%, a R$ 1,783. Também o Ibovespa, que experimentou ganho de 0,43%, durante o dia, acabou recuando 1,57% no fechamento, aos 64.424 pontos. No mercado de dívida externa, além da instabilidade do mercado secundário, a cautela também tira o apetite dos investidores para novas emissões. "Embora hoje não haja um problema de liquidez, os prazos e preços inibem o emissor", explica o diretor do Bradesco BBI, Fabio Mentone. Ele ressalta que o plano de ajuda à zona do euro não representa uma solução definitiva para os desafios que a Europa vai enfrentar, como o déficit fiscal e retomada do crescimento. E, enquanto as dúvidas existirem, o investidor reduzirá a exposição a risco. Mentone lembra que, na semana passada, Banco Cruzeiro do Sul e Odebrecht adiaram emissão de bônus, com a perspectiva de retomar a operação nesta semana. Mas, diante do ambiente externo, não há espaço para essa colocação. "Não é que a liquidez tenha deixado de existir, como aconteceu em 2008 (quando o banco Lehman Brothers quebrou), mas há uma reprecificação de ativos, que torna a captação pouco interessante para o emissor", explica. "Até acho que haja apetite por papéis do Brasil, que pode tornar-se um porto seguro. A questão é o preço." O comportamento do mercado mostra que, apesar da ajuda prometida à zona do euro diminuir o risco de default, ela não muda o cenário de recessão naquela região. "O pacote resolve os problemas de curto prazo da Europa, mas não os estruturais, cujo conserto depende de ações de longo prazo, que têm impactos sociais e políticos", afirma o analista do banco ABC Brasil, Eduardo Pinus. "É muito cedo para pensar em normalidade para o mercado de crédito." Para ele, como o medo de um calote dos países em crise diminuiu, os mercados de crédito e renda fixa podem sofrer menos do que em 2008. O efeito será mais intenso, em sua opinião, nos mercados cambial e de ações. O operador de renda fixa do Banco Modal, Luiz Eduardo Portella, vê riscos de a liquidez ser afetada. "Ninguém sabe de ontem virá o US$ 1 trilhão prometido e, por isso, o medo de calote ainda vai rondar o mercado", diz. Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Consultores Associados, também vê o mercado doméstico muito sensível às notícias de momento. "O pacote de ajuda à Grécia ajudou certamente a aliviar a tensão dos mercados no exterior e no Brasil na segunda-feira, mas a percepção de que as medidas exigirão aperto severo trazem inquietação. As perspectivas para a Grécia não são muito claras" Para a economista, o mercado doméstico pode até reagir a indicadores domésticos, mas a reação tende a ser pontual. "O cenário externo vai predominar". O economista-chefe do Banco Espírito Santo (BES), Jankiel Santos, concorda que a volatilidade vai imperar nos mercados financeiros por um bom tempo, até que as medidas de socorro à Grécia sejam aprovadas em diversos fóruns. Mas, para ele, o efeito sobre o mercado brasileiro deve ser limitado. "Apenas o anúncio de medidas não resolve. Vamos viver com a espada sobre a cabeça, mas é inegável que o mercado doméstico vem tendo um bom desempenho a despeito do cenário externo", afirma. O economista lembra que o Brasil tem indicadores favoráveis, especialmente quando comparado a outras economias, a despeito de críticas que sempre existem. "Por mais que se queira criticar a expansão de gastos públicos, por exemplo, é fato que comparativamente a outras economias o Brasil tem um desempenho positivo", diz, observando que o déficit nominal no Brasil está na casa de 2% a 3% do PIB, muito abaixo dos 13% de alguns países desenvolvidos. "Também devemos lembrar que temos reservas cambiais confortáveis. E que se há pressão inflacionária, o Banco Central já vem subindo o juro, agindo para frear essa tendência". Ele alerta, contudo, para o calendário eleitoral, que pode potencializar a volatilidade dos ativos financeiros.