Título: Efeitos da crise no Brasil e algumas medidas de defesa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/05/2010, Opinião, p. A14

A crise europeia não causará abalos importantes na economia brasileira, embora seja impossível fugir a seus efeitos nocivos se o pacote quase trilionário lançado pelos países da zona do euro acabar fazendo água a curto prazo. O pânico da quinta-feira, quando todos os mercados desabaram, deu uma ideia de como o país pode ser contagiado pela derrocada da confiança dos investidores na capacidade de pagamento das nações endividadas da união monetária.

Em primeiro lugar, o dólar valorizou-se 6,5% em uma semana, respondendo à marcha batida apressada de investidores que procuravam a moeda para cobrir perdas em outros mercados e a movimentos defensivos de fuga para a qualidade e abandono dos ativos de maior risco. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, US$ 2 bilhões saíram correndo do país mas, ainda assim, a desvalorização do dólar teve um forte componente especulativo. Dados do Banco Central divulgados ontem registram um fluxo cambial positivo, com ingresso líquido de US$ 3,7 bilhões na primeira semana de maio, quando a crise atingiu um pico.

Se a crise europeia piorar, é possível esperar novos movimentos altistas no dólar, o que pode até agradar aos exportadores depois de uma longa dieta de câmbio valorizado, porém trará alguns problemas para a política monetária. A inflação, pelas projeções do mercado, começa a apontar para a casa dos 6% e os preços dos bens importados hoje jogam no sentido contrário a uma escalada de preços. Com as importações avançando a um ritmo de 40%, a valorização da moeda americana obrigaria o Banco Central a usar parte de suas reservas de US$ 250 bilhões para impedir a alta do dólar, o que ele até agora tem evitado, ou a aumentar além do esperado inicialmente a taxa de juros no ciclo de aperto monetário já iniciado. Com o euro sob pressão por um bom tempo, a tendência do dólar é de fortalecimento gradual, se os mercados não desandarem. A economia brasileira dá sinais de superaquecimento e um revigoramento do dólar vem fora de hora e pode acelerar a inflação.

Os solavancos nos mercados europeus derrubaram a bolsa brasileira, que tem recuado toda vez que ousa aproximar-se dos 70 mil pontos. Sob pressão das turbulências externas e de alguma saída de investidores estrangeiros, os papéis brasileiros perdem mais um pouco de sua atratividade, depois de receberem um desencorajamento por parte da elevação dos juros básicos, que dão aos títulos públicos rentabilidade grande e ascendente, isenta de riscos. Um dos efeitos ruins da perda de fôlego do mercado acionário é a menor capacidade de as empresas brasileiras obterem recursos para investimentos e expansões por meio da abertura de capital ou ofertas secundárias. Isso se torna especialmente importante no momento em que os mercados internacionais se mostram recalcitrantes na absorção de papéis corporativos brasileiros e em que o custo de capital, historicamente muito alto no país, volta a subir com o aumento dos juros.

A grande ameaça ao crescimento, ilustrada pela crise do subprime, é uma interrupção generalizada dos fluxos de crédito bancários. Em 2008 e parte de 2009, suas consequências foram um redução forte e abrupta da oferta de crédito interno, que provocou uma recessão no ano passado. Os empréstimos entre bancos pararam de vez nos mercados dos EUA e Europa pela dificuldade de percepção de risco - quem estava exposto a perdas e qual a magnitude dela. Na crise europeia, há relativa clareza dessa exposição e de quais instituições financeiras correm mais riscos. Mesmo assim o mercado para papéis corporativos estagnou na zona do euro. Dessa forma, é pouco provável um grande aperto no crédito global e bem mais provável uma queda dos investimentos de empresas multinacionais europeias no Brasil, já que o crédito para elas se tornará mais restrito e tendencialmente mais caro por um bom tempo.

O Brasil passa longe da crise europeia, mas os efeitos já percebidos foram suficientes para o surgimento de sinais de que o governo pode agir para cobrir um dos grandes flancos frágeis de sua política econômica - as contas públicas. A Fazenda agora procura meios de cumprir a meta de 3,3% do PIB de superávit primário sem recorrer ao desconto de 1% do PIB de investimentos do PAC. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avisou que se recusará a atender pleitos salariais dos servidores públicos em meio a greves do funcionalismo. Não se sabe se as promessas serão cumpridas, mas essa é a direção correta a seguir.