Título: Por genéricos, Brasil e Índia abrem disputa na OMC contra europeu
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Fonte: Valor Econômico, 13/05/2010, Especial, p. A16

Brasil e Índia deflagraram ontem uma ofensiva na defesa de remédios genéricos, abrindo disputa contra a União Europeia (UE) na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil prepara uma ação também na Assembleia Mundial da Saúde na semana que vem. Brasília e Nova Déli acusam Bruxelas de manter uma legislação que já permitiu à Holanda e outros países europeus confiscarem genéricos em trânsito para países em desenvolvimento, violando o direito, pelas regras da OMC, que toda nação tem de importar esses remédios, que são mais baratos e estão livres de patentes.

A primeira carga de remédios foi apreendida em 2009, procedente da Índia, que seguia à América Latina, depois de queixas feitas por farmacêuticas europeias que detêm as patentes na Europa, mas não nos países produtores. O Brasil diz que um genérico, Losartan, para hipertensão, que trataria 300 mil pessoas durante um mês, não chegou ao país. A Índia reclamou de mais duas apreensões.

O embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo, disse que as autoridades de saúde no Brasil constataram que os importadores estão trazendo genéricos por outros caminhos, em vez da Europa, o que encarece o produto. Essa incerteza e custo maior no trânsito de genéricos parece ser a estratégia de multinacionais, julga Azevedo. Ainda mais num cenário em que vários remédios produzidos por grandes laboratórios, gerando US$ 30 bilhões em vendas anuais, vão perder suas patentes nos próximos anos, e a produção de genéricos deve aumentar.

Outras fontes dizem que a ação europeia pode criar um precedente para apreensões de outras mercadorias no futuro, também sob o pretexto de não terem patente ou serem suspeitos de falsificação.

A UE prometeu que seus países não usariam mais a legislação que permite o confisco. Mas essa promessa foi considerada insuficiente. O prazo para as consultas na OMC é de 60 dias. Se persistir o confronto, será pedido o estabelecimento de um "painel" (comitê de especialistas) para examinar a conformidade da legislação europeia com as regras internacionais.

Também por causa das apreensões, o Brasil apresentará proposta na Assembleia Mundial da Saúde, semana que vem, para a Organização Mundial da Saúde (OMS) manter o foco contra falsificação de remédios no âmbito da saúde pública e não procurar estendê-lo para questões comerciais.

O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, acusa "uma tentativa pelos detentores de patentes de fazer confusão entre falsificação e contrafação". Ele estima que uma ação firme na OMS precisa ser tomada, ainda mais que a produção de genéricos no Brasil tende a aumentar consideravelmente. De cada 100 unidades vendidas no país, 20 são de genéricos. Em valor, eles representam entre 15% e 18% do mercado, o que significa fatia de negócios superior a R$ 4 bilhões.

"O potencial para crescimento no Brasil é enorme, quando se considera que nos EUA os genéricos tem 50% do mercado e nos países nórdicos 70%", afirmou. "Com a expiração de muitas patentes em 2010 e 2011, a produção aumentará muito no Brasil." Ele confia que o Supremo Tribunal Federal rejeitará demandas dos laboratórios para estender as patentes, como ocorreu no caso recente do Viagra.

A ação na OMS será comandada pela embaixadora brasileira na ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevedo, que articula apoio de outros países. América do Sul, Índia e vários países em desenvolvimento defendem a proposta.

A indústria farmacêutica acompanha com prudência o confronto com a UE na OMC. Antonio Brito, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisas (Interfarma), nota que na Índia uma parte da indústria é moderna, mas outra não tem sequer 1% de controle pelo governo. As suspeitas em São Paulo são de que muitos remédios falsificados procedem da Índia via Paraguai. "Nosso problema não é com a Índia, mas de como se evitar falsificação de remédios", disse Brito. Já Guimarães nega a existência de grandes apreensões de medicamentos falsificados no país. "Se tivesse isso, a imprensa teria noticiado." (AM)