Título: Ex-diretor ainda acredita que nações chegarão a um consenso em Doha
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Fonte: Valor Econômico, 19/03/2010, Brasil, p. A4
O ex-diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), Mike Moore, ainda acredita que as negociações da Rodada Doha possam ter um desfecho feliz. O neo-zelandês, que esteve em Santa Catarina para o Congresso Nacional de Gestão em Agronegócio (Agrogestão), avalia que o Brasil terá uma participação chave para o sucesso das negociações.
Moore conduziu o primeiro encontro da Rodada, no final de 2001, na capital do Qatar. As negociações sobre a liberalização do comércio internacional, batizada de Rodada Doha, acabaram esbarrando nas divergências entre os países desenvolvidos e as nações em desenvolvimento. Sem consenso, as nações mantiveram o debate, ano após ano. Apesar disso, ele não admite a palavra "fracasso" para designar as negociações.
"A Rodada Doha não fracassou", diz o ex-primeiro ministro neo-zelandês. Assertivo, ele afirma que poderia ter encerrado as negociações ainda enquanto esteve no comando da OMC. "Mas isso não traria ganhos", complementa.
"Eu quis que mais países participassem, que fosse um acordo que envolvesse muitas nações. Isso, é claro, dificultou a negociação. Se qualquer um levantasse a mão em contrário do que estava sendo proposto, era preciso parar e recomeçar do zero", diz Moore. Entusiasta de um acordo que poderia eliminar as tarifas alfandegárias e reduzir os subsídios à agricultura dos países ricos, o ex-diretor da OMC acredita que este consenso pode estar mais próximo.
Com seu jeito debochado, Moore não tem medo de demonstrar suas opiniões. Após intensa vivência em sindicatos, em 1972 foi o mais jovem membro do Parlamento da Nova Zelândia já eleito. Representou seu país em discussões internacionais pela liberalização do comércio, até se tornar Ministro de Comércio e Marketing Exterior, quando desempenhou papel fundamental na Rodada Uruguai.
Moore cresceu numa família pobre na cidade de Kawakawa, a mais de 800 quilômetros de Wellington, na Nova Zelândia. Deixou a escola aos 15 anos e foi trabalhar como empacotador de carne. Nos anos 80, como ministro das Relações Exteriores de seu país, aliou-se ao Greenpeace numa campanha contra os testes nucleares feitos pela França no Pacífico. Recentemente, foi nomeado embaixador nos Estados Unidos. Ironicamente, sempre que se referia ao país norte-americano, sua cara se contraía em sinal de deboche. Depois, corrigia-se: "Não posso mais fazer isso, agora vou ser embaixador".
Para Moore, o esforço que um acordo multilateral como Doha demanda justifica uma negociação que se estenda por dez anos. Na retomada das negociações, ele acredita que o Brasil possa desempenhar um importante papel. Como exemplo da força brasileira, Moore cita o recente episódio do algodão brasileiro, que terminou com o direito do país retaliar os EUA. "Isso nada mais é do que o cumprimento da regra", diz Moore. Para ele, o exemplo verde-e-amarelo pode ajudar na negociação de Doha e, também, colaborar nas negociações de outras commodities agrícolas como açúcar e café.
Desde a criação da OMC, em 1995, apenas quatro casos de retaliação comercial aprovados pela instituição foram executados. Moore reconhece que a OMC é a única entidade com capacidade para resolver esse tipo de conflito, mas defende que ela adote outros tipos de punições, inclusive pagamento em dinheiro.
Na avaliação do neo-zelandês, as autoridades precisam enxergar que uma perda pode se tornar um ganho. "Se por um lado você abre mão de subsidiar agricultores que plantam milho, por exemplo, por outro você pode garantir maior volume de exportações para os manufaturados", defende.
Enquanto o sonhado acordo multilateral não sai, os países se entendem em acertos bilaterais, criticados duramente por Moore. "Estes acordos bilaterais e regionais não devem ser chamados de acordos de livre comércio, são acordos comerciais preferenciais. Eles não vão resolver completamente os problemas do comércio agrícola", diz.