Título: Investimento na Bancoop expôs fundos a risco alto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2010, Política, p. A7

Um grupo de fundos de pensão estatais que há seis anos se uniu para reforçar os cofres da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) com a promessa de que teria o dinheiro devolvido em condições generosas só conseguiu recuperá-lo no fim do ano passado, depois de abrir mão de boa parte dos rendimentos que teria recebido se as premissas originais do negócio tivessem sido mantidas.

A transação foi concluída discretamente em novembro, quando a cooperativa desembolsou R$ 18 milhões para quitar suas obrigações com os fundos e um pequeno grupo de investidores que se associou a eles para investir na Bancoop. Eles tinham o direito de receber quase R$ 29 milhões, mas aceitaram o desconto proposto pela cooperativa para evitar os prejuízos que poderiam sofrer se continuassem amarrados à Bancoop por mais tempo.

O envolvimento dos fundos de pensão com a Bancoop nunca foi um segredo, mas a relação entre eles voltou a ser examinada com atenção nas últimas semanas por causa das suspeitas que cercam as atividades da cooperativa. A Bancoop está sob investigação do Ministério Público de São Paulo desde 2007 e seus dirigentes foram acusados pelo promotor José Carlos Blat de desviar dinheiro da cooperativa para o PT.

Entre 2004 e 2005, a Bancoop captou no mercado cerca de R$ 37,5 milhões com o lançamento de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), em que a devolução do dinheiro dos investidores e seus rendimentos seriam assegurados pelos pagamentos feitos pelos associados da Bancoop. De acordo com a cooperativa, o objetivo da operação era arrecadar recursos para acelerar as obras de seus empreendimentos imobiliários.

A montagem do fundo e seu desempenho nos anos seguintes foram acompanhados de perto pelo tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que nas últimas semanas virou o alvo principal das investigações conduzidas por Blat. Vaccari presidia o Sindicato dos Bancários quando o FIDC foi criado e pouco tempo depois assumiu o comando da Bancoop, onde permaneceu até fevereiro deste ano.

Os maiores fundos de pensão do país apostaram no FIDC da Bancoop. A Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF), entrou com R$ 11 milhões. A Petros, dos empregados da Petrobras, aplicou R$ 10 milhões. A Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, investiu R$ 5 milhões. Os dirigentes dos três fundos têm laços antigos com o PT e o Sindicato dos Bancários de São Paulo.

Quando o FIDC foi lançado, ele parecia um bom negócio. A promessa era que os recursos seriam devolvidos em três anos, corrigidos pela variação do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), mais 12,5% de juros ao ano, uma taxa considerada excelente para esse tipo de aplicação. A agência de classificação de risco Standard & Poor"s analisou a operação e deu ao fundo da Bancoop a nota AA, reservada para investimentos considerados muito seguros.

Mas havia problemas na administração da cooperativa, como ficou evidente pouco tempo depois. Auditores contratados pela Bancoop em 2005 revelaram que as prestações pagas pelos associados eram insuficientes para cobrir os custos de vários empreendimentos. Para tapar o buraco, a cooperativa decidiu cobrar novos pagamentos dos cooperados. Revoltados, muitos deixaram de pagar as prestações em dia e foram à Justiça contra a Bancoop.

O resultado foi um aumento da inadimplência na cooperativa, que se refletiu sobre a qualidade da carteira de títulos formada para assegurar os rendimentos dos fundos de pensão e dos outros investidores que haviam apostado no FIDC da Bancoop. Em maio de 2006, quando faltava pouco mais de um ano para o fundo ser liquidado e os investidores reaverem seu dinheiro, as regras do FIDC foram alteradas.

O prazo para encerramento do fundo foi esticado de três para sete anos e critérios desenhados para assegurar sua rentabilidade e manter baixa a inadimplência da sua carteira foram eliminados. A mudança foi aprovada por todos os cotistas do fundo da Bancoop, exceto a Previcq, fundo de pensão dos servidores de vários órgãos subordinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Nos anos seguintes, novas mudanças foram feitas nas regras do FIDC, para garantir aos fundos de pensão que os resgates programados para ocorrer uma vez por ano pudessem ser antecipados sempre que houvesse dinheiro disponível. Mas os problemas da Bancoop continuaram se agravando. A Standard & Poor"s passou a considerar o fundo de alto risco e a situação chegou a um ponto em que a cooperativa só conseguia cumprir suas obrigações com os cotistas fazendo novos aportes de recursos no FIDC.

Em agosto do ano passado, a Bancoop propôs o encerramento das atividades do fundo, oferecendo aos cotistas o saldo remanescente das suas aplicações com uma correção menor do que a combinada na criação do FIDC, equivalente à variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais 6% de juros ao ano. Os fundos de pensão aceitaram o desconto e o pagamento foi feito pela cooperativa em novembro.

Os fundos de pensão não perderam dinheiro com a Bancoop. Eles poderiam ter ganho muito mais se as condições originais da transação tivessem sido preservadas. Mas eles saíram do FIDC da Bancoop com o patrimônio preservado e rendimentos suficientes para manter o equilíbrio financeiro de suas carteiras. Ainda assim, ao permanecer por tanto tempo num fundo tão problemático, eles se expuseram a níveis de risco bastante elevados.

Em resposta a questionamentos feitos pelo Valor, a Previ, a Petros e a Funcef justificaram a demora pela necessidade de encontrar uma saída que evitasse prejuízos maiores, que poderiam ter ocorrido se o FIDC da Bancoop tivesse deixado de pagar os cotistas, ou se a questão fosse levada à Justiça, medida que os fundos de pensão seriam obrigados a tomar se levassem calote do fundo.

Somados todos os resgates feitos até o encerramento do FIDC da Bancoop, a Petros recebeu R$ 12,7 milhões, a Funcef levou R$ 14,6 milhões e a Previ recuperou R$ 7,8 milhões. O promotor Blat desconfia que o fundo tenha sido usado para desviar recursos para o PT, mas não tem nenhuma prova de que isso tenha ocorrido. Há duas semanas, a Justiça autorizou o Ministério Público a examinar a movimentação financeira do FIDC para conferir a sua tese. (Colaborou Alessandra Bellotto)