Título: CCB na berlinda
Autor: Bellotto ,Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2010, EU & Investimentos, p. D1

Embreve, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vai soltar umofício-circular endereçado ao gestores de fundos de crédito privado como que considera as "melhores práticas" para o investimento em Cédulasde Crédito Bancário (CCBs). Os CCBs são papéis emitidos por bancos comlastro em empréstimos e que podem ser depois vendidos no mercado. Odocumento da CVM é resultado de inspeções realizadas ao longo do anopassado para testar os processos de diligência das assets na aquisiçãoe monitoramento dessas operações, conta o superintendente de Relaçõescom Investidores Institucionais da CVM, Francisco Santos. "A conclusãodesse trabalho foi que, na média, os gestores são diligentes, mas comoa média não representa o todo, a verdade é que alguns são e outros não."

ACVM, inclusive, está investigando operações envolvendo crédito privado,como o CCB. "Temos processos em diferentes estágios, que abordamirregularidades como transações não equitativas", conta Santos, sem darmais detalhes. Muitos desses processos, continua o superintendente,surgiram a partir de denúncias e reportagens. É o que a CVM chama deatuação provocada, ou seja, estimulada por indícios de irregularidades,como conflitos de interesses em transações entre partes relacionadas edescumprimento de mandato. Várias assets menores foram alvo desse tipode abordagem da CVM, afirma Santos.

Umdos potenciais conflitos de interesse está justamente na transaçãoentre partes relacionadas. É comum encontrar fundos com papéisoriginados dentro de casa. Santos explica que a norma não proíbe essetipo de operação, desde que haja equidade. O gestor do fundo tem debuscar a melhor condição na aquisição dos ativos. E a briga aí seriacom a empresa do mesmo grupo - banco ou butique especializada -, queoriginou o ativo, estruturou a operação e recebeu, na entrada, comissãopelos serviços.

Quandoum grupo está em todas as pontas, a questão é de onde ele vai tirar suaremuneração: da originação ou estruturação do negócio ou da gestão dofundo? Para o investidor, o gestor precisa estar alinhado com o fundo etrabalhar para que a transação seja bem-sucedida ao longo de toda avida. No caso de CCB, toda a operação precisa ser feita em parceria comum banco, único que pode conceder o empréstimo e registrar o títulopara negociação.

Santosafirma que a transação entre partes relacionadas é uma preocupação daCVM e não apenas em operações com CCBs, mas com títulos públicos, entreoutros papéis. Até por conta da forte concentração do setor de fundos.Os dez maiores administradores, que reúnem mais de 90% dos ativos ecotistas, pertencem a grupos financeiros, justifica o superintendente.O roteiro das visitas de campo no âmbito das inspeções de rotinamereceu até revisão para incorporar essa questão, acrescenta. "Issovirou prioridade para a CVM", diz.

Jána atuação de rotina, a CVM procura identificar onde estão os maioresriscos e potenciais impactos para prosseguir com a fiscalização. "Nãodá para ver tudo." As transações entre partes relacionadas entraram nofoco e o CCB foi escolhido como tema da supervisão baseada em risco dobiênio 2009/2010. O CCB é um papel representativo do crédito privadoque vem ganhando relevância no cenário de juro baixo, diz Santos. Alémdisso, não é um segmento transparente, com informações públicas, defácil acesso. "Temos monitorado o CCB até em função do histórico do Banco Santos."

Ocaso do Banco Santos mostrou claramente o potencial conflito emtransações entre partes de um mesmo grupo. A quebra da instituiçãofinanceira em novembro de 2004 teve grande impacto na asset do grupo.Apesar de ser uma empresa independente e de o dinheiro dos investidoresestar separado dos ativos da instituição financeira, os fundos estavamirregularmente cheios de papéis representativos de operações de créditofeitas pelo banco, como CCBs, e, em alguns casos, com coobrigação.

Santosressalta, porém, que a parcela de CCBs em fundos não representa nem0,5% do patrimônio de R$ 1,4 trilhão do setor. São R$ 4,6 bilhões deestoque, sendo que 90% estão concentrados em dez gestoresespecializados. Além disso, ele conta com a transparência do setor comoum inibidor de comportamentos irregulares, conflituosos. "Na nossajurisdição, existe um nível de "disclosure" de informações muitogrande, como cota diária, abertura de carteiras mensalmente."

Santosressalta que não houve um grande número de problemas com créditoprivado, mas casos específicos. Um destaque foi um fundo da Global Capital,que desde o ano passado já teve de fazer provisões para perdasenvolvendo atrasos de nove empresas. Se todos os CCBs que estão emfundos hoje entrarem em situação de inadimplência, o prejuízofinanceiro para o setor será mínimo. Mas não dá para deixar de levar emconta a repercussão negativa que um problema como esse causa.

Afiscalização temática teve dois objetivos principais, diz Santos. Alémde testar o respeito dos gestores às regras e normas, a CVM buscouavaliar quais são os cuidados que as casas têm ao decidir comprar umaCCB. "Esses ativos não são listados em bolsa, não há divulgaçãoperiódica de informações sobre essas operações", justifica. Por isso, aCVM se viu na obrigação de traduzir o dever de diligência previsto nanorma, a Instrução 409, relativa aos fundos de investimento, e prepararo ofício.

Entre asprincipais recomendações do documento, estará a obrigação de o gestorbuscar dados sobre o risco de crédito que pretende correr. "Para isso,há de se ter informações mínimas sobre o devedor, já que elas não estãodisponíveis publicamente", afirma Santos. "Vale um princípio simples: oque não se conhece, não se compra", reitera o superintendente.

ACVM, contudo, já trabalha para melhorar o nível de informações sobreesses títulos de crédito bancário. "Já fechamos um convênio com o BancoCentral, que vai aumentar a qualidade das informações trocadas e ajudarsobremaneira o monitoramento essas operações", informa osuperintendente. Segundo ele, num horizonte de curto prazo, aexpectativa é de ter um banco de dados das operações de créditooriginadas por bancos.

Ainiciativa deve contribuir também para minimizar o problema daavaliação de ativos sem liquidez, que, segundo Santos, acontece em todoo mundo. Ele afirma, no entanto, que já se fala no mercado na figura doprovedor de preços, um terceiro agente que pode ser público ou privado,para calcular preços para títulos de baixa negociação. "Isso já tem emoutros países e faz parte de soluções de caráter mais estrutural."

Outraquestão que será tratada no ofício diz respeito à analise das garantiasda operação e à preocupação de adequar a compra de CCBs à política deinvestimento e mandato do fundo. O documento, afirma Santos, vai namesma linha do Parecer de Orientação 11 de 2008, do Comitê Operacionale de Ética da Andima (hoje Anbima, Associação Brasileira das Entidadesdos Mercados Financeiro e de Capitais), que estabeleceu regras eprocedimentos a serem observados em operações privadas com CCBs.