Título: Brasil vê ação forte do governo Obama contra a mediação de Lula
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2010, Internacional, p. A10
de Madri
O governo dos Estados Unidos deflagrou uma "pressão excepcional" para fazer fracassar a missão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Irã para a mediação sobre a questão nuclear. Essa é a avaliação que é feita no governo brasileiro. A constatação é de que, por onde o presidente Lula passava, a caminho de Teerã, o presidente Barack Obama telefonava para conversar com os líderes locais, aparentemente tentando frear estímulos à mediação brasileira para evitar sanções contra o Irã. Quando Lula se encontrou em Moscou com o presidente Medvedev, foi recebida uma chamada da Casa Branca para o Kremlin. O mesmo se repetiu em Doha, onde a conversa foi com o primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores, Sheikh Hamad bin Jasim bin Jabir al-Thani. Numa conversa "não muito animadora" em Washington, Obama já tinha dito a Lula que o presidente venezuelano Hugo Chávez faz barulho, mas tudo bem, ele o aguentava. Mas deixou claro que o Irã era outra situação. Na avaliação dentro do governo brasileiro, o problema dos EUA com o Irã não se resume à questão nuclear. Do ponto de vista estratégico-militar americano, o Irã é muito mais importante do que a América Latina. E Washington quer manter suas relações privilegiadas na região, sem interferência de parceiros de fora. A pressão "impressionante" americana reforça a visão brasileira de que os EUA querem aplicar sanções contra Teerã para tentar punir e desestabilizar o regime do presidente Mahmud Ahmadinejad. Para o Brasil, essa é uma estratégia "errada e ineficaz", assim como aconteceu em relação ao embargo a Cuba. Há três semanas, Obama enviou uma carta a Lula listando basicamente os elementos de um acordo com o Irã. Segundo o governo, foi exatamente o que se alcançou no fim de semana em Teerã, após 18 horas de negociações ininterruptas, das quais quatro entre os presidentes. Na segunda-feira, ao desembarcar em Madri, o presidente Lula telefonou para o presidente russo, Medvedev, e relatou o acordo de Teerã. O russo disse que o pacote de sanções estava praticamente pronto, mas que ia telefonar a Obama para examinar um acordo que abria um "outro caminho". No entanto, ontem a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, não perdeu tempo e anunciou que os EUA, Rússia e China lançaram um acordo sobre uma versão inicial de resolução para as Nações Unidas imporem nova sanção contra o Irã. Na avaliação do assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, a posição dos EUA era de só negociar depois das sanções. "É uma ilusão achar que o Irã vai se abalar com sanção", disse. Garcia estima que, se Washington realmente optar pela sanção, vai se dar mal, "vai sofrer sanção moral e política". Para o Brasil, a iniciativa agora está com os EUA. É Washington que deve decidir um novo trato com o Irã, depois do fato novo criado com o acordo feito pelo Brasil, Turquia e Teerã. O presidente Lula não quis falar sobre sua missão no Irã, preferindo esperar mais reações. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, elogiou "os esforços" de Lula, mas espera agora a carta iraniana à Agência de Energia Atômica. Paris insiste também que a transferência de 1.200 quilos de urânio enriquecido fora do Irã é um passo positivo, mas deve ser "acompanhado logicamente de uma suspensão do enriquecimento de 20%". O premiê turco, Tayyip Erdogan, também presente em Madri, disse que só quem fala em sanção é quem vive fora da região e insistiu na ação diplomática. Tanto o Brasil quanto a Turquia vem tentando desempenhar um papel de destaque no cenário internacional e cobram uma ampliação no Conselho de Segurança da ONU. No caso particular do Irã, os dois países querem passar a fazer parte do chamado P5+1 (EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha) e participarem a partir de agora de todas as negociações sobre o programa nuclear iraniano.