Título: Regras da UE podem afetar fundos do mundo todo
Autor: Forelle, Charles; Strasburg, Jenny
Fonte: Valor Econômico, 19/05/2010, Finanças, p. C10

As novas regras aprovadas ontem pelas autoridades europeias para controlar mais os administradores de fundos de hedge criam as condições para uma fiscalização intensificada de fundos privados no mundo inteiro. Os ministros europeus da fazenda aprovaram ontem uma lista de regulamentações sobre fundos de hedge e firmas de private equity, horas após uma comissão do Parlamento Europeu aprovar na noite de segunda-feira uma versão final de uma legislação polêmica que preparavam. Os dois textos divergem substancialmente, o que deve gerar meses de negociação antes que qualquer coisa passe a vigorar. Mas um fato é claro: os ministros reunidos no Conselho Europeu e os parlamentares concordam que é preciso haver mais restrições sobre os fundos do que gostariam seus defensores no governo britânico. A maior parte dos fundos de hedge da União Europeia se encontra em Londres. A movimentação é o sinal mais recente de que os fundos de hedge, que servem a pessoas com grande patrimônio, fundos de pensão e outros grandes investidores, estão atraindo mais atenção das autoridades de regulamentação tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, uma atenção que até recentemente tinham conseguido evitar. O registro obrigatório de fundos de hedge com a SEC, a comissão de valores mobiliários dos EUA, deve ser incluída em qualquer reforma da regulamentação financeira, atualmente em tramitação, que o Congresso americano aprovar. Os administradores de fundos de hedge temem que uma SEC fortalecida por uma nova liderança possa aprofundar sua supervisão dos fundos, que são pouco regulamentados se comparados a outras firmas de investimentos. O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, expressou preocupação com a possibilidade de a regulamentação na UE dificultar demais que os fundos americanos captem recursos e consigam investidores na Europa. As iniciativas recentes de regulamentação dos fundos de hedge marcam uma mudança importante no setor, que vinha conseguindo evitar com um lobby agressivo a instituição de controles mais rígidos. Após a crise financeira de 2008, os políticos se concentraram muito mais nos problemas e nas atividades dos grandes bancos de Wall Street. Os fundos também têm tido bom desempenho financeiro. Embora muitos fundos de hedge tenham perdido mais dinheiro em 2008 do que em qualquer outro momento, geralmente seu desempenho foi melhor que o do resto do mercado e, como um todo, eles já conseguiram se recuperar desde então. Os investidores aplicaram mais US$ 14 bilhões em fundos de hedge no mundo inteiro durante o primeiro trimestre, elevando o patrimônio total deles para US$ 1,7 trilhão, segundo uma firma de pesquisa de mercado chamada Hedge Fund Research Inc. O fluxo líquido reflete o renascimento da confiança nesses fundos, depois de um período em que mais clientes sacaram do que investiram. Enquanto nos EUA as preocupações com os fundos de hedge ficaram em segundo plano diante da situação dos bancos, os europeus temem que as operações opacas dos fundos de hedge possam enfraquecer o já enfermo sistema financeiro, ao criar montanhas de risco imprevisto. Depois da onda de quebras de bancos e em meio a uma crise de dívida soberana, muitas autoridades europeias gostariam de saber mais sobre quanto risco os fundos de hedge estão assumindo e as ramificações que esse risco pode ter para o resto do sistema financeiro. A Europa tem um sistema de regulamentação antigo, para administradores convencionais de recursos. "Agora queremos regulamentar o que não está coberto ainda", disse Elena Salgado, ministra da Economia da Espanha. Entre as novas regras nas duas versões da legislação da UE há diferentes graus de transparência e de limitação sobre o montante de recursos emprestados que os fundos podem usar para impulsionar o rendimento, assim como de restrições sobre a remuneração dos executivos desses fundos. A medida mais polêmica nas duas versões - redigida de modo diferente em cada uma - cria obstáculos para os fundos de outros países buscarem investidores na UE. Essas restrições se aplicariam aos fundos de hedge dos EUA, mas também a muitos fundos de hedge londrinos cujos veículos de investimento são domiciliados em paraísos fiscais como as Ilhas Cayman. A possibilidade de restrições aos fundos de outros países enfurece há meses o Reino Unido e a indústria europeia do setor. O Reino Unido tentou descartar as restrições propondo um sistema de "passaportes" que permitiria a um fundo offshore aprovado pelas autoridades do mercado de qualquer um dos 27 países da UE angariar investidores no bloco inteiro. A França e outros países da Europa Continental alegaram que isso levaria os fundos à pratica de ficar escolhendo o lugar mais favorável para se registrar, já que um selo de aprovação das condescendentes autoridades britânicas automaticamente permitiria a qualquer fundo captar onde quisesse. O Reino Unido foi voto vencido no Conselho Europeu, e a presente versão da lei não inclui a cláusula do passaporte. Em vez disso, para preservar parcialmente o status quo, a lei obriga os fundos de hedge a obter permissão de cada um dos países em que pretendem operar. George Osborne, o novo ministro da Fazenda britânico, não conseguiu convencer os colegas no conselho. "Obviamente cheguei com uma posição difícil que herdei do governo passado", disse ele após a reunião de ontem. "Praticamente não havia aliados." A versão do parlamento tem uma cláusula do passaporte, mas é o oposto do que buscava o Reino Unido: os países de fora do bloco podem obter um passaporte para operar nas 27 nações, mas só se atenderem a exigências severas. Os fundos de hedge americanos, por exemplo, teriam de aceitar voluntariamente as restrições da UE sobre risco e compensação. "A versão do conselho é muito melhor que a do Parlamento, mas há vários detalhes que precisam ser resolvidos", disse Andrew Baker, presidente da Associação de Administração de Investimentos Alternativos, o principal grupo europeu de lobby do setor. De acordo com o fragmentado processo legislativo da UE, as versões do conselho e do Parlamento agora precisam ser reconciliadas, com o braço executivo do bloco, a Comissão Europeia, servindo de intermediário. Michael Barnier, comissário encarregado da regulamentação financeira, deixou claro que prefere a abordagem do parlamento para os fundos externos. Nessa questão, afirmou: "Estou mais próximo do parlamento que do conselho", disse ontem. "Quero um tratamento justo para os administradores que atenderem às regras comunitárias." Barnier disse ainda que espera solucionar as discordâncias e, assim, pode aprovar a lei ainda no primeiro semestre deste ano. (Colaboraram Matthew Dalton e Adam Cohen)