Título: Oferta de ações frustra plano do governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/05/2010, EU& .S.A., p. D5
Não foi apenas o discurso da Petrobras que mudou desde o anúncio da capitalização. Sem que tenha havido uma explicação clara, o modelo da operação também foi alterado, a começar pela troca de um aumento de capital privado por uma oferta pública de ações com prioridade para os atuais acionistas da estatal.
Segundo Almir Barbassa, diretor financeiro e de relações com investidores da Petrobras, o problema do modelo inicial é que a empresa define um preço de subscrição das ações em uma determinada data, e a operação só ocorre de fato cerca de 60 dias depois. Se o papel caísse na bolsa nesse intervalo, a operação poderia ser um fracasso. A justificativa é razoável, mas cabe a pergunta: será que o governo e a Petrobras não sabiam como funcionava um aumento de capital privado em agosto de 2009?
Em matéria publicada pelo Valor no dia 1º de setembro, o diretor financeiro da Petrobras dizia que o trâmite da oferta privada era "relativamente rápido", inclusive quando considerados os prazos para o exercício do aumento de capital por parte dos minoritários e para a liquidação.
Na leitura dos analistas, a mudança para oferta pública teria sido adotada por três possíveis razões. A primeira é que o processo burocrático para sua realização é mais curto - e não resta muito tempo para a Petrobras realizar a oferta até julho, como pretende.
A segunda razão é que por esse sistema se amplia o leque potencial de investidores que participarão da operação, mesmo que no modelo inicial fosse possível a venda de direitos de subscrição para outros investidores.
O terceiro motivo está na formação de preço da ação, que será determinado conforme a demanda do mercado - e não por uma decisão unilateral da administração -, o que permite que o investidor coloque no preço do papel as dúvidas em relação à oferta.
Em resumo, a visão é de que o novo modelo é mais pró-mercado e a proposta inicial atendia mais aos interesses do governo.
Reforçando essa ideia, na edição de setembro de 2009 da revista Valor Investe, um diretor da Petrobras que pediu para não ter o nome revelado defendia o uso da oferta pública tradicional desde o princípio, mas dizia que a decisão era do controlador, e não dos executivos.
A oferta privada contemplava melhor a intenção declarada da União de aumentar sua fatia no capital total da companhia. Embora controle a Petrobras com 55,7% das ações com direito a voto, o governo possui apenas 32% do capital total da companhia.
Uma evidência de que esse era o propósito é que, naquele momento, a estatal dizia não precisar, necessariamente, do dinheiro da capitalização. E mesmo no caso dos até 5 bilhões barris da cessão onerosa, que seriam muito bem-vindos, não havia urgência para a cessão, uma vez que apenas nos campos do pré-sal já descobertos - Iara, Tupi, Guará e no Parque das Baleias -, há de 10,6 bilhões a 16 bilhões de barris para serem recuperados e não existe infraestrutura para a exploração imediata desses campos.
No dia 10 de setembro, o Valor publicou a seguinte frase de Gabrielli: "A velocidade do pré-sal além disso [desses blocos] vai ser muito determinada pela capacidade de produção de sondas, de barcos de apoio, árvores de natal molhadas, de "flowlines", de infraestrutura para entrega de suprimento, de gente para operar esses sistemas. É isso que vai limitar o crescimento."
Elevar a fatia no capital da estatal seria importante para conseguir justificar por que a empresa foi escolhida como operadora única do petróleo na camada pré-sal, conforme o novo marco regulatório enviado para o Congresso Nacional. Alguns membros do próprio governo diziam que a estatal não poderia ser favorecida por ter boa parte do capital na mão de investidores estrangeiros. Sem dinheiro para injetar na companhia, o governo entraria com os barris.
No momento atual, ainda existe a preferência da Petrobras pelo modelo de cessão onerosa, que lhe dará os barris diretamente - sem licitação -, e com um preço menor do que seria caso o governo tivesse um conhecimento maior das áreas a serem cedidas. Mas o que parece mover o interesse da empresa é o dinheiro que viria com o aumento de capital - que antes não era tido como necessário -, a fim de cumprir o plano de investimento da companhia.
"A capitalização é de uma vez. É para entrar de US$ 15 bilhões a US$ 25 bilhões este ano para manter a razão capital/dívida e dívida/lajida", disse Gabrielli em entrevista publicada no dia 24 de março pelo Valor.
Além do caixa que entra na operação, o aumento do patrimônio líquido possibilitará novas emissões de dívida.