Título: Novidade, bacharelado já chegou a oito federais
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Fonte: Valor Econômico, 15/03/2010, Brasil, p. A6
Mais de 12 mil estudantesde universidades federais brasileiras cursam atualmente bachareladosinterdisciplinares. Apesar de o número ainda responder por apenas 2% dototal de matrículas no segmento, a nova modalidade de graduação foi amais procurada na primeira edição do vestibular via Exame Nacional doEnsino Médio (Enem) e é uma das principais ferramentas do Ministério daEducação (MEC) para modernizar o sistema curricular das instituições deensino superior de sua alçada.
Hoje,oito universidades federais oferecem bacharelados interdisciplinares emformato regular, que abrangem quatro grandes áreas do conhecimento -humanidades, artes, saúde e ciência e tecnologia - e funcionam comocursos de ingresso do jovem na vida acadêmica, desobringando-o aescolher a profissão no calor do vestibular. A graduação oferecediploma de ensino superior que pode ser usado na procura de trabalho emáreas que não exigem formação específica e concursos públicos quedemandam formação universitária. Após o bacharelado, há a possibilidadede dar sequência aos estudos em cursos tradicionais, como engenharia,economia, medicina, com duração reduzida conforme o desempenho.
Maria Paula Dallari Bucci, secretária de ensino superior do Ministério da Educação, disse ao Valorque outras dez instituições federais estudam adotar esse modelo debacharelado para 20 cursos. Segundo ela, o sistema é o primeiro passopara uma "reformulação efetiva" das atividades acadêmicas. Além daampliação da oferta de vagas, mudanças e modernização da gradecurricular também são objetivos centrais do programa Reestruturação eExpansão das Universidades Federais (Reuni), que totalizaráinvestimentos de R$ 3,5 bilhões até 2012. "Há um grande entusiasmo emtorno dos bacharelados, as universidades estão começando a trocarexperiências. Na Bahia o bacharelado interdisciplinar em saúde já é, emcerta medida, a principal porta de entrada para os cursos tradicionaisde saúde: enfermagem, farmácia, medicina. Na Federal do ABC também háum novo desenho acadêmico, que significa espaço maior de modernização",comenta a secretária.
Elaadmite, entretanto, que o movimento é demorado. No relatório deacompanhamento do Reuni, divulgado em novembro do ano passado, a"readequação dos projetos institucionais" é apontada como uma dasdificuldades ao cumprimento das metas do programa pelas universidadesque aderiram a ele. "Cada instituição carrega suas manias, é precisosentar à mesa e se dispor a se abrir a novos projetos. Dá muitotrabalho fazer um curso desses, tem que ver material, conteúdo, perfildo professor, não se trata meramente de colagem de disciplinas. Adotarnovos modelos é mais fácil nas novas universidades do que nas antigas,cujos processos políticos são mais complicados", avalia Maria Paula.
Aocontrário da estrutura curricular tradicional conhecida no país, osciclos desses bacharelados são quadrimestrais com duração de três anos,e o aluno pode "montar" sua própria grade escolhendo os créditos quedeseja cumprir, além das disciplinas obrigatórias do currículo. Naprimeira metade do curso, o aluno tem uma formação mais ampla egenérica, com matérias de várias áreas; nos últimos períodos, pode sededicar exclusivamente a temas mais específicos, normalmenterelacionados aos cursos do pós-bacharelado.
AUniversidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André, na regiãometropolitana de São Paulo, começou suas atividades em 2006 apenas comos bacharelados interdisciplinares em ciência e tecnologia e,recentemente, ciências e humanidades. Eles são a única forma deingresso e podem ser complementados, com matrícula garantida ao final,pela formação "mais profissionalizante" de dois anos em nove opções decursos de engenharia, ou oito graduações regulares e cincolicenciaturas. "Se depois do BI o aluno ingressar em alguma engenharia,ele terá a matrícula garantida, vai se formar engenheiro e terá doisdiplomas. Isso é um diferencial em relação ao aluno que termina oensino médio e escolhe diretamente cursar engenharia, porque nossomodelo trabalha questões interdisciplinares e evita a especializaçãoprematura", explica o engenheiro Helio Waldman, reitor da UFABC.
Segundoele, os bacharelados interdisciplinares acompanham a reorganização domundo do trabalho e valorizam competências sociais, antesdesconsideradas nos ambientes produtivo e acadêmico. "Estamos falandode um profissional mais dinâmico. Além do aprendizado de alta qualidade- 100% dos nossos professores são doutores -, conhecimentos geraispassam a ter mais relevância para o mercado e no campo científico, casoo formando opte por carreira acadêmica", diz. De acordo com o projetopedagógico dos dois programas de bacharelados interdisciplinares daUFABC, "o foco é preparar pessoas para enfrentar problemas darealidade, de forma crítica e transformadora".
Paraa consultora em gestão educacional Priscila Simões, o acompanhamentodas transformações das atividades acadêmicas ocorre mais velozmente nasuniversidades privadas. "Há 20 anos, a graduação superior eraresponsável por ensinar tudo aquilo que era necessário na vidaprofissional do estudante. Hoje o desenvolvimento científico etecnológico é muito acelerado, exige que o profissional volte para aescola, faça pós, especializações em todas as áreas", analisa Priscila."As instituições privadas saíram na frente das públicas por causa daforte concorrência. Hoje há muitas propostas pedagógicas dinâmicas,como os cursos de tecnólogos, moldados para o mercado. Nas públicasesse movimento é mais difícil, a tomada de decisão é mais lenta, porisso o MEC está induzindo os bacharelados interdisciplinares por meiodo Reuni."
Diferenteda "nova" UFABC, os bacharelados interdisciplinares de humanidades,artes, ciência e tecnologia e saúde foram adicionados em 2009 à imensalista de graduações da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e hoje"conversam" com todas elas, como resume o pró-reitor de graduação,Maerbal Marinho. Segundo ele, apesar da integração acadêmica, osformandos dos bacharelados não terão livre acesso aos cursostradicionais na etapa pós-bacharelado por causa da concorrência. "Aprimeira turma se forma em 2011. A partir de 2012, 20% das vagas serãoreservadas, se houver mais candidatos haverá seleção interna. Isso deveacontecer em cursos de alta demanda, como medicina, que terá apenas 32lugares para os bacharelandos em 160 vagas disponíveis."
Obacharelado interdisciplinar em ciência e tecnologia da UFABC foi ocampeão do vestibular deste ano, com quase 20 mil inscrições no SistemaUnificado de Seleção (SiSU) para 1,7 mil vagas disponíveis - quase 12por vaga. Aluno do programa desde o começo de 2009, Alexandre RobertoNeme Kulpel, de 19 anos, passou no vestibular e chegou a se matricularem física médica na USP de Ribeirão Preto, mas escolheu o ABC paraestudar graças à boa nota no Enem. Ele conta que tomou conhecimento dobacharelado após uma visita à UFABC. "Gostei da abertura do curso, agente tem liberdade para gerir a graduação e mais tempo para escolher aprofissão", diz ele, apesar de já estar decidido a seguir engenhariaespacial na graduação do pós-bacharelado.
DiegoAnisio Modesto prestou inicialmente vestibular para biomedicina naUniversidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu. Ele também passou,mas achou que teria mais liberdade para realizar pesquisas no sistemade bacharelado interdisciplinar da UFABC, onde já sabe que vai seguirestudando engenharia de materiais. "A oportunidade de tocar projetoscientíficos e pesquisas nas outras universidades públicas é maisrestrito aos alunos que se destacam. Aqui é mais fácil, já no primeiroano do curso há um projeto de pesquisa obrigatório para todos osalunos. Além disso, já consegui uma bolsa e tenho um orientador, tudoisso no começo do segundo ano do curso", gaba-se Diego, que aproveitapara criticar a estrutura da instituição, que está em obras e ainda nãoinaugurou seu prédio principal. "Os laboratórios didáticos dão conta,mas aqueles voltados para pesquisa não ficaram prontos, vou de caronacom meu orientador para a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]para usar o de lá", reclama.
Oprofessor de química Mauro Coelho dos Santos, coordenador depós-graduação da UFABC, explica que o projeto de pesquisa obrigatóriomencionado pelo estudante é conhecido como PDPD (pesquisa desde oprimeiro dia). "Experimental das ciências naturais é uma dasdisciplinas compulsórias. Os alunos fazem experimentos envolvendo temasde exatas e humanas e têm que apresentar um projeto final num simpósioonde são questionados por avaliadores daqui e convidados de outrasinstituições. Os temas devem estar baseados em problemas práticos dasociedade, ter fundo científico e causar discussão acadêmica", relataSantos.
O reitor HelioWaldman chama atenção para o rigor dos cursos. "Os alunos quetrabalham, por exemplo, e não têm condições de se dedicar integralmenteou estudar em casa terão dificuldades para terminar o programa no tempoespecificado. Ele provavelmente terá muitas reprovações e levará maisde cinco anos para fechar o bacharelado e a graduação."
Aaceitação dos alunos dos bacharelados interdisciplinares pelo mercadode trabalho ainda é indefinida, diz Bruna Dias, gerente de orientaçãode carreiras da Cia de Talentos. "Mesmo assim, o mercado tem bons olhospara profissionais com habilidades diferenciadas, mas dá para dizer queos departamentos de RH ainda não estão aptos a diferenciar umprofissional que vem de uma nova graduação daquele formado num cursotradicional", conta ela.