Título: Brasil lucra pouco com consumismo argentino
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2010, Brasil, p. A4

Para fugir da inflação alta, que deve chegar a 25% neste ano e não encontra nenhuma aplicação financeira capaz de preservar o poder aquisitivo, a classe média argentina resolveu investir em bens duráveis. Mas os fabricantes brasileiros estão tirando pouco proveito da recente onda de consumo, que já fez as importações de eletrodomésticos crescer 27% no primeiro trimestre. O Brasil não só perdeu a liderança de mercado para os chineses, mas aumenta a venda de equipamentos como geladeiras, congeladores e lava-roupas em velocidade bem menor do que outros fornecedores, como os países asiáticos e o México.

De janeiro a março, as importações de eletrodomésticos pela Argentina alcançaram US$ 129,8 milhões. Lideraram o crescimento, em relação a igual período de 2009, aparelhos de DVD (71%), lava-roupas (52%) e geladeiras (16%). Outros equipamentos, como televisores (-30%) e fogões (-17%), tiveram queda porque o país expandiu a produção local.

A indústria brasileira está vendendo mais à Argentina do que em 2009, como era de se esperar. Na comparação anual, houve crescimento de 23,2%, segundo levantamento da consultoria Investigações Econômicas Setoriais (IES). Já a China aumentou em 32% suas exportações de eletrodomésticos à Argentina, concentradas em geladeiras e lava-roupas, e se distanciou como principal fornecedora do país.

Um importador em Buenos Aires comentou que fabricantes chineses têm oferecido preços em dólar de 20% a 25% inferiores aos do Brasil, no caso das geladeiras. "Se o motor quebra em três anos ou menos, é outra coisa", afirmou. Nem toda a diferença, porém, pode ser atribuída ao câmbio, acredita Alejandro Ovando, diretor-geral da IES.

Multinacionais com presença no Brasil e no México começaram a atender parte da demanda argentina por meio da filial mexicana, diz o economista. Isso fez as importações provenientes do México aumentarem 59% no primeiro trimestre de 2010 e consolidarem o país como terceiro maior fornecedor de eletrodomésticos da Argentina.

Os asiáticos souberam aproveitar ainda melhor a recuperação do consumo local e têm dobrado, em média, suas vendas ao principal sócio do Brasil no Mercosul. Houve aumento de 345% das importações de eletrodomésticos das Filipinas, de 125% da Coreia do Sul e de 95% da Malásia.

Isoladamente, são países que detêm fatia pouco inexpressiva do mercado argentino. Somados, eles já atendem cerca de 10% das importações, ajudando a roubar espaço da indústria brasileira. Esses países têm concentrado suas vendas em pequenos equipamentos, como DVDs, secadores de cabelo, liquidificadores e aspiradores de pó. "Por causa das travas à China, estão crescendo essas importações de outros fornecedores asiáticos, o que na verdade é uma triangulação de mercadorias chinesas para evitar as barreiras", suspeita o economista da consultoria.

A produção local também cresceu (112%) na Argentina, que tenta substituir a importação de alguns produtos acabados, como televisores. Em abril, foram vendidos quase 90 mil aparelhos no mercado interno - praticamente o dobro do que se verificava em dezembro, em plena véspera de Natal. A Eletros, associação dos fabricantes brasileiros, não atendeu aos pedidos de entrevista do Valor.