Título: Aécio enfrenta lulismo em viagem por sucessor
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2010, Especial, p. A16

Detentor no planoestadual de uma aprovação a sua gestão semelhante à obtida pelopresidente Luiz Inácio Lula da Silva no país, o governador de MinasGerais, Aécio Neves (PSDB) compete com o lulismo pela posse dos 14milhões de votos em Minas em uma maratona de viagens e anúncios deobras. A movimentação de Aécio e dos aliados do presidente culminou nasemana passada em Uberaba, no Triângulo Mineiro, na tarde desexta-feira, em que tanto o governador quanto o ministro doDesenvolvimento Social, Patrus Ananias (PT) estavam na cidade,cumprindo agendas separadas.

Em Uberaba, o prefeito Anderson Adauto (PMDB), um dos coordenadores dacampanha do ministro das Comunicações, Hélio Costa, recebeu tanto aAécio quanto a Patrus, mas a competição entre as esferas federal eestadual foi mais explícita em Uberlândia, a maior cidade da região: nodia 3 de março, cinco dias antes da passagem de Aécio e dovice-governador e seu candidato à sucessão Antonio Anastasia pelacidade, o vice-presidente José Alencar esteve no município, paraanunciar uma obra que ainda não existe: a duplicação da BR-050, entreUberlândia e a divisa entre Minas Gerais e Goiás. Quando a licitaçãoocorrer e a obra começar, deve envolver recursos de R$ 274 milhões.Estavam presentes os aliados de Lula na região, como os deputadosfederais Elismar Prado e Odair Cunha, ambos do PT. O prefeito deUberlândia, Odelmo Leão (PP), não foi.

Nacerimônia cinco dias depois na Prefeitura de Uberlândia, Aécio anunciouum pacote de investimentos, inclusive outra obra rodoviária que nãopassa de um projeto: o asfaltamento de 106 quilômetros entre Uberlândiae Campo Florido, com edital lançado esta semana. Odelmo estava presentecom a base local de Aécio, composta, entre outros, pelos deputadosfederais João Bittar (DEM), Marcos Montes (DEM) e Nárcio Rodrigues(PSDB). Ninguém da base lulista apareceu.

Acompetição mostra que não é evidente a perspectiva de reedição do voto"lulécio", desta vez como "dilmasia", ou seja, o voto no candidato doPT à Presidência e do PSDB ao governo mineiro, que marcou as eleiçõesde 2006. Naquela ocasião, parte da base de apoio de Lula, inconformadacom a aliança entre PT e PMDB, aderiu ao aecismo. Entre os aliados dogovernador mineiro, dissidências da base federal ainda são malrecebidas.

"OAnastasia precisa ser eleito com composições éticas, e não apenas paraganhar. Ele tem que compor com quem vai governar. O Aécio pode ser bomde conversa, conciliador, no plano administrativo. Mas na eleição, temque ser cada qual na sua trincheira", afirmou Odelmo Leão. O própriogovernador repele o possível alinhamento. "Quem está comigo, vai estarcom Serra. Este negócio de Dilmasia é uma bobagem", afirmou.

Anastasiaestá percentualmente com cerca de metade das intenções de voto deDilma, mas conta com a vantagem de assumir o governo no próximo mês, emfunção da desincompatibilização programada por Aécio para concorrer aoSenado. E o chamariz de novas obras é amplamente usado para garantiradesões. Em Divinópolis, o governador chegou a anunciar um programa quedeverá ser lançado pelo seu sucessor: a construção de estradas que irãointerligar as regiões econômicas do Estado, uma proposta que Aéciochamou de "links" faltantes, "na ausência de um nome melhor", conformefalou.

Asperegrinações de Aécio e Anastasia estão longe de se converterem emcomícios de clima eleitoral. Geralmente transcorrem em ambientesfechados ou de difícil acesso, com plateia formada quase queexclusivamente por pessoas que estão ali a trabalho: assessores,políticos, jornalistas e seguranças. E os dois estão blindando suasbases contra investidas alheias: em apenas duas visitas, a Uberlândia eDivinópolis, entre os dias 8 e 11 de março, Aécio conseguiu paraAnastasia o apoio de 43 dos 49 prefeitos das duas regiões.

Aagenda administrativa é um invólucro frágil para justificar osencontros. Em Uberlândia, ambos anunciaram a liberação de recursos paraobras que já estão em curso, mas ainda longe da inauguração, como ohospital municipal local, que é o maior em construção no Estado, oucomemoração a simples publicação de editais, cujas obras, na melhor dashipóteses, começam no segundo semestre.

Serámuito difícil para a oposição acusá-los de campanha antecipada: não hános discursos menções diretas às eleições e a presença de Anastasia nassolenidades sempre se justifica pelo fato do vice estar se preparandopara assumir o governo no próximo mês.

Nasviagens pelo Estado, Aécio e Anastasia seguem um roteiro: os primeirosa falar são os anfitriões, o prefeito ou o parlamentar local de maiorexpressão, como o deputado estadual Wander Borges (PSB) em Sabará, odeputado estadual Domingos Sávio (PSDB) em Divinópolis ou o prefeitoOdelmo Leão em Uberlândia. Deles se ouvem palavras de agradecimento.Não raro, são feitas comparações entre o autoproclamado dinamismoestadual e a alegada letargia do Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) federal.

EmSabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde Aécio entregouum bloco cirúrgico no dia 22 de fevereiro, uma faixa cobrava a falta deliberação de recursos para obras de infraestrutura por parte da Caixa Econômica Federal. "A Caixa deixa muito a desejar", disse Borges, em tese um aliado do Palácio do Planalto.

Anastasiaem seguida discursa em tom superlativo, procurando assumir a imagem dequem toma nas mãos o manche de um avião em velocidade cruzeiro. "O anodeveria ter 800 dias, para que este governo pudesse inaugurar uma obrapor dia, e ainda faltariam obras produzidas por esta verdadeiralocomotiva", afirmou o vice em Sabará. Como em outras ocasiões, nãofaltaram adjetivos como "nosso timoneiro", "grande líder", "gigante dequalidade única" e "exemplo para o mundo" entre os apostos de Anastasiaao titular do cargo.

Osdiscursos de Aécio sempre começam com longas saudações. O governadorchega a levar 15 minutos cumprimentando os presentes mais ilustres esempre discursando em torno de quatro ideias mestras: menciona que setrata de uma despedida; destaca a importância dos aliados ("triste dequem acha que resolve tudo sozinho. Este palanque é um resultado denossas alianças", disse, em Sabará); comenta a seguir a importância dealgumas de suas realizações, estejam ou não relacionadas com o evento;e termina afirmando que se sente honrado em "deixar o governo nas mãoslimpas do professor Anastasia".

Aviagem de quinta-feira a Divinópolis, cidade de 200 mil habitantes a120 km a oeste de Belo Horizonte, foi a maior evidência de que apolítica em si se sobrepõe ao "show de inaugurações" mencionado porAnastasia. O dia de ambos começou com o recapeamento da pista doaeroporto municipal, asfaltada no governo Newton Cardoso, em 1988. Emseguida, Aécio e Anastasia foram a um terreno capinado na periferia dacidade, onde foi montado um palco para a inauguração do que é poucomais do que uma ideia: o governador anunciou a construção futura de umhospital regional com 230 leitos. Na falta de uma maquete, governador evice contemplaram uma planta do projeto do hospital, orientados pelosecretário estadual de Saúde, Antonio Jorge.

Após passarem pelas obras de um viaduto, Aécio e Anastasia terminaramem um palanque montado no Clube Estrela do Oeste, na companhia deDébora Lyra, a miss Minas Gerais, "uma beldade", segundo Anastasia, "nacompanhia de homens feios", de acordo com o governador. A bela loira de1m80cm e pernas torneadas à mostra era o único elemento alheio àpolítica em um salão composto por prefeitos, parlamentares, assessorese jornalistas.

Sempovo, o evento era uma argamassa da base municipal do poder aecista.Compareceram 23 dos 25 prefeitos do Vale do Itapecerica, a microrregiãode Divinópolis, sendo apenas dois tucanos, além dos dois deputadosfederais da região, ambos do DEM, Jaime Martins Filho e Vitor Penido.Todos juraram apoio a Anastasia. O último fez a única menção ao sonhofrustrado de Aécio. "Ainda tenho esperança que o PSDB nacional tenha umpouquinho de juízo e pense que o melhor para o Brasil é Aécio Neves",afirmou, sob palmas protocolares.

Aoresponder Aécio fez menção apenas ao seu esforço para que "Anastasiapossa dar continuidade aos compromissos adequados". Terminava a sessãode discursos e iniciava o coquetel no mezanino, para a mesma plateia decerca de 300 pessoas que assistiam ao ato. Atrás salão, transcorrianormalmente a aula vespertina de hidroginástica. Em um determinadomomento, as alunas entoaram o coro: "Aécio, cadê você? Vim aqui só prate ver!"