Título: Uma nova microeconomia no Brasil
Autor: Barros, Luiz Carlos Mendonça de
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2010, Opinião, p. A13

Vamos completar neste anoo mais longo período de estabilidade econômica de nossa históriarecente. A continuidade de uma política econômica correta por quatromandatos presidenciais consecutivos é certamente a força principal portrás dessa conquista.

Não pretendo adicionar aqui mais uma reflexão sobre os benefícios dessa feliz ocorrência. Quero dividir com o leitor do Valor algumas observações da equipe de economistas da Questsobre o comportamento do consumo do brasileiro nesse quadro deestabilidade. Nesses números podemos identificar os benefíciosconcretos - para o cidadão - desse longo período de racionalidadeeconômica

Escolhi omercado de automóveis nos últimos anos como base para minhasobservações. Mas vários outros segmentos de consumo apresentam o mesmoquadro positivo. O principal motivo dessa escolha é que neleencontramos a convergência de vários fenômenos micro econômicos -tornados possíveis pelo longo período de estabilidade que vivemos -agindo simultaneamente de forma virtuosa.

OBrasil é hoje o quinto maior mercado de automóveis no mundo,suplantando recentemente a poderosa e rica Alemanha. Sei que os maispessimistas vão tentar minimizar esse fato. Afinal a Alemanha temapenas pouco mais de oitenta milhões de habitantes e vive hoje umacrise gravíssima. Vejamos o que pode ser contraposto a esse argumento.

Emprimeiro lugar a diferença de tamanho entre os dois mercados é menor doque a desproporção entre as rendas per capita dos dois países. Emsegundo lugar os contratos de financiamento na Alemanha são realizadosno fortíssimo euro - ainda a segunda mais sólida moeda do mundo -enquanto que no Brasil é o emergente real que é usado. Por isso adiferença nos juros dos contratos é quase abissal, o que faz com que osnúmeros brasileiros sejam ainda mais extraordinários. Finalmente a taxade crescimento do mercado de automóveis no Brasil nos próximos anosdeve ser - no mínimo - duas vezes a da Alemanha.

Asrazões para esse dinamismo tão forte são várias. As mais importantessegundo a pesquisa da Quest foram: o crescimento continuado da ofertade crédito em função da confiança dos bancos na economia e na moeda, aestabilidade de médio prazo na taxa de câmbio, o crescimento dasimportações de veículos e o aumento real da massa salarial.

Napesquisa usou-se um automóvel popular de valor de venda equivalente aR$ 25 mil. Em julho de 2000, para se comprar esse carro, eramnecessários mais de 140 salários mínimos; em janeiro de 2010 apenas 54,com uma queda no período de 61%.

Nocaso da prestação de um financiamento padrão para a compra a prazodesse mesmo veículo - segundo as condições correntes de juros e prazosdivulgadas mensalmente pelo Banco Central - a redução foi ainda maior.Em julho de 2000 uma prestação equivalia a 6,8 salários mínimos; emdezembro deste ano a apenas 2. Uma redução de mais de 70%.

Oseconomistas da Quest quantificaram a participação de cada um dosfatores citados acima nessa impressionante redução dos custos na comprade um carro. E chegaram a conclusões interessantíssimas. Na redução dovalor das prestações, 39% pode ser explicada pelo aumento real dosalário mínimo, 36% pela queda no valor real do automóvel e 25 % pelamelhora nas condições de financiamento causado por juros mais baixos eprazo de financiamento maior.

Oprimeiro fator identificado na pesquisa - o aumento real do saláriomínimo - foi o resultado da política salarial adotada pelo governoLula. Não tem - portanto - origem nos efeitos criados pelo longoperíodo de estabilidade que estamos vivendo. Mas os outros dois fatores- queda do preço real do automóvel e melhora nas condições definanciamento - são resultados diretos dessa micro economia maiseficiente de hoje.

Nocaso da queda dos preços dos automóveis, os dois fatores principaisforam a estabilidade da taxa de câmbio e o aumento das importações. Ataxa de câmbio estável e com credibilidade permitiu investimentosprivados na criação de redes nacionais de venda de veículos importadose aumento de suas vendas. Mesmo com as importações concentradas nossegmentos de maior valor, a concorrência de veículos produzidos noexterior evitou que a maior demanda interna permitisse aos fabricantesbrasileiros usar seu poder de preços para aumentar suas margens delucros ou do aparecimento do tão tradicional ágio. Os preços dos carrosde maior valor, ancorados pela concorrência das importações, acabarampor funcionar como um limite superior para os carros populares.

Poroutro lado, a elevada proteção tarifária na importação de veículospermitiu que as empresas brasileiras pudessem trabalhar com custos deprodução mais elevados - reflexos do chamado Custo Brasil - sem que oconsumidor ficasse desprotegido contra abusos e exageros. Entendo quetrabalhamos hoje com uma combinação eficiente de proteção tarifáriapara a indústria nacional e defesa do interesse do consumidor.

Jáa parcela da queda no valor das prestações de um carro financiadorelativas às condições de financiamento também está diretamenterelacionada à longa estabilidade de nossa economia. Em um clima demaior confiança os bancos alongaram os prazos de seus contratos ereduziram os juros cobrados dos consumidores. Isso fica claro quandoanalisamos os dados compilados pelo Banco Central, principalmentedepois de 2006.

Foiessa combinação de fatores micro e crescimento econômico que permitiramo setor automobilístico brasileiro superar o alemão. Mas outros dadosda pesquisa da Quest chamam a atenção. Quando comparamos a evolução dospreços dos veículos nacionais com o do setor de serviços esse ganho deeficiência chama ainda mais a atenção. Entre julho de 2000 e janeiro de2010 a tarifa de ônibus aumentou 70% mais do que o preço de um carropopular. O mesmo comportamento ocorreu com as mensalidades escolares(60% a mais) e energia elétrica residencial (também 60% a mais) eoutros serviços.

Essasdiferenças reforçam minha observação sobre o importante papel que asimportações tiveram na queda dos preços dos automóveis e outros bens deconsumo duráveis durante os últimos anos.

LuizCarlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, édiretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES eministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.