Título: Vida fica mais difícil no 'reino' de Londres
Autor: Faleiros, Gustavo; Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2010, Especial, p. A14

A poucas quadras do Palácio de Buckingham, residência da rainha Elizabeth II, fica o "reino brasileiro". Os domínios são modestos, estão no subsolo de um prédio na Grovesnor Gardens, uma simpática praça ao lado da estação de trem de Victoria. Mas o apelido está ali, estampado em uma plaquinha na porta de entrada do conjunto comercial que abriga lojas dedicadas aos imigrantes do Brasil em Londres. Uma delas, a Victoria Tropical vende fubá, farinha de mandioca e assa um gostoso pão de queijo para comer com café. Entre um expresso e outro, Carmem Silvia Moscato, a dona do Victoria Tropical, falou sobre sua vida no Reino Unido.

Há nove anos em Londres, ela não pensa em voltar. "Fui assaltada no Brasil, e isso fica", revela. Mas o marido insiste que é hora de retornar. A cotação da libra esterlina nunca esteve tão baixa em relação ao real: R$ 2,63 na quinta-feira passada. Em 2001, quando chegaram, flutuava na casa dos R$ 5. Pergunto a Silvia - como todos a chamam - se muitos brasileiros estão voltando. "Em dezembro, um monte de gente resolveu voltar. Perdi bons clientes", responde a brasileira.

Pode soar como bobagem, mas o mês de dezembro, quando o inverno começa e a luz do dia extingue-se por volta das 16h, parece o momento em que os "imigrantes tropicais" desanimam de vez. Considerando que 2009 registrou o pior inverno em 60 anos e a pior crise econômica em 80 anos, as impressões da dona do Victoria Tropical ganham fundamento.

"Para quem acaba de chegar, não encontra emprego, o inverno é uma boa desculpa para voltar", pondera Carlos Mellinger, na Inglaterra desde 1998 e fundador da Casa do Brasil, organização não governamental que dá assistência à comunidade brasileira na capital inglesa. Para ele, embora alguns reclamem, a maioria ainda vê a ilha como terra de oportunidades. "Aqui pode ter havido corte de horas, mas não corte de empregos, como houve na Espanha e Itália. O brasileiro que chega hoje e quiser trabalhar, arruma emprego no mesmo dia", garante.

As condições de trabalho é que pioraram com a crise, contam os imigrantes. Os valores pagos pelas horas é uma das principais causas de reclamação, pois forçaram trabalhadores não qualificados a buscar mais de um emprego. O paulistano Erandi Olímpio, de 32 anos e em Londres há cinco anos, deixou a empresa de entregas onde trabalhava como motoboy. Os ganhos de uma semana caíram de 500 libras para 350 libras. "Fazia 20 entregas e no final do dia sobrava quase nada, os caras não querem saber, eles exploram bastante", reclama. Hoje ele trabalha por conta própria.

Ouvir reclamações como as de Erandi faz parte da rotina de Deise Burigo, de 28 anos, catarinense de Criciúma e dona do Gold Star Brazilian Salon, salão de beleza também no "reino brasileiro" cuja a clientela é formada por imigrantes. "O pessoal que trabalha como "cleaner" (faxineiro) e em restaurantes vive reclamando", conta. Ela mesma não está muito animada com o movimento de seu negócio. Diz que época boa é o período de festas (dezembro) ou no pico do verão (julho). Mesmo assim, mãe de uma criança de 6 meses, ela não quer voltar para Brasil. "Lá tenho que colocar minha filha em colégio particular e me preocupar com segurança."

Um caso interessante dos efeitos da recessão europeia sobre os imigrantes brasileiros é o do goaino Marco Mota. Em Londres, ele trabalhava na City, coração do mercado financeiro na cidade. Chegou à capital britânica em 2004, transferido do Brasil pelo Credit Suisse, e depois ganhou a chefia de fundos de pensão do Barclays Global Investment. Na passagem de 2008 para 2009, com o aprofundamento da crise, perdeu o emprego. O plano B? Voltar para o Brasil.

"Eu já sabia que minha área seria prejudicada. Eu já investia no Brasil e achei que era a hora de voltar e cuidar das minhas coisas", diz em uma conversa por telefone. Hoje, Mota está abrindo uma construtora em Goiânia, a Vivenda Incorporações, e planeja seu segundo prédio - participou do primeiro como investidor ainda no Reino Unido.

Para Mota, o Brasil vive um momento de oportunidades. Seus novos empreendimentos foram beneficiados pelo programa Minha Casa, Minha Vida do governo federal. Mas ele é cauteloso. "Se compararmos a disponibilidade de crédito que existia no passado e hoje, realmente a coisa mudou da água para o vinho no Brasil. Mas comparando com outros países, mesmo aqueles em desenvolvimento, ainda é bem difícil obter financiamento para imóveis", avalia. (GF)