Título: Expansão dos gastos ameaça o crescimento sustentável
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Fonte: Valor Econômico, 24/05/2010, Editorial, p. A12

O Brasil é, definitivamente, um país que não sabe conviver com o próprio sucesso. A economia vive um momento especial, com crescimento vigoroso, resultado do processo de estabilização iniciado há 16 anos e de um penoso e demorado ajuste nas contas do setor público. Nos últimos meses, porém, agindo como se participassem do baile da Ilha Fiscal, episódio que marcou o fim da monarquia e o início de um novo regime, parlamentares de todos os partidos, com o beneplácito do governo, vêm aprovando medidas que aumentam as despesas públicas de forma inconsequente e ameaçam a sustentabilidade do crescimento no médio e longo prazos.

A Medida Provisória nº 472 é um bom exemplo. O governo a encaminhou ao Congresso, em dezembro, prevendo R$ 3 bilhões em benefícios fiscais para alguns setores produtivos. A MP já nasceu defeituosa ao tratar dos temas mais variados e prorrogar desonerações tributárias num momento em que a economia já havia superado os efeitos da crise financeira internacional.

A MP chegou ao Congresso com 61 artigos, versando sobre 15 temas. A Câmara dos Deputados a aprovou com duas emendas. Já o Senado fez 53 acréscimos e ampliou o número de temas para 25 e o de artigos para 101. O resultado não poderia ser outro: a renúncia fiscal estimada no texto original dobrou de tamanho. Ao retornar à Câmara, os deputados cortaram dez das 53 emendas dos senadores, mas aprovaram a MP.

Uma prova de que o governo deu licença moral para os parlamentares ampliarem o pacote de bondades foram as declarações do seu líder no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), no dia da aprovação da MP 472. "Todas as alterações [feitas pela Câmara e o Senado] tratam de matérias tributárias e, portanto, conexas com o que o governo editou", justificou o senador. A frase não faz nenhum sentido, mas revela a cumplicidade do governo com o que foi aprovado.

Entre as propostas do governo e as inclusões feitas por deputados e senadores, destacam-se o aporte de R$ 1 bilhão para o Banco do Nordeste do Brasil; a autorização para que empresas devedoras de tributos se livrem da multa em caso de quitação em parcela única (um desrespeito às que honram suas obrigações em dia) e a federalização dos funcionários públicos do Estado de Rondônia, que abre precedente perigoso, pois há mais projetos pleiteando o mesmo benefício para outros casos.

A semana passada foi pródiga na farra fiscal em curso em Brasília. Além da MP 472, aprovou-se, no Senado, reajuste de 7,72% para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Originalmente, o governo corrigiu os benefícios em 6,4%, percentual que já é bem superior à inflação do ano passado (4,3%). Os congressistas ampliaram a demagogia, que não deverá ser vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo informou Romero Jucá.

O Congresso também aprovou a extinção do fator previdenciário, um mecanismo instituído pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Com a aplicação do fator, quanto menor a idade de aposentadoria, maior é o redutor e consequentemente menor o valor do benefício previdenciário. Foi a forma encontrada pelo governo para compensar o fato de que, no Brasil, aposenta-se cedo demais.

Se forem sancionadas, essas duas medidas aumentarão em R$ 5,6 bilhões os gastos da previdência social. Segundo o senador Romero Jucá, o presidente Lula só vetará uma delas - a que extingue o fator previdenciário. Se isso acontecer, será um alívio, incompleto, mas ainda assim um abrandamento do assalto que se está promovendo contra o Tesouro. É bom lembrar que a medida poderia ter sido abortada no nascedouro, afinal, sua autoria coube a um aliado histórico do presidente e membro do mesmo partido - o senador Paulo Paim (PT-RS).

Se os parlamentares patrocinam medidas populistas em ano eleitoral, o fazem em parte porque veem, no governo federal, displicência no controle dos gastos públicos. O exemplo de sacrifício deve ser dado sempre por quem tem a chave do cofre. O governo Lula ampara a sua aprovação popular no fato de ter seguido a cartilha da austeridade tanto na política monetária quanto na fiscal. Nestes dois últimos anos de gestão, no entanto