Título: Dilma tranquiliza investidor estrangeiro
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2010, Política, p. A9

A crise financeira na Europa, com epicentro na Grécia, fez com que os investidores estrangeiros passassem a prestar um pouco mais de atenção nos riscos econômicos das eleições presidenciais no Brasil, que até agora eram praticamente ignorada por Wall Street.

Essa é a avaliação colhida pelo Valor junto a investidores das principais instituições financeiras internacionais que, ao longo da semana passada, mantiveram encontros com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci em Nova York e, na sexta-feira, ouviram uma palestra da pré- -candidata do PT, Dilma Rousseff.

Ela atendeu às expectativas da comunidade financeira de Wall Street, comprometendo-se em manter a disciplina fiscal e a respeitar os contratos, de longe as duas maiores preocupações em um eventual novo governo do PT. Também causou boa impressão por mostrar afinidade com Palocci e comparecer num evento quinta-feira que homenageou o presidente do BC, Henrique Meirelles, um dos fiadores da estabilidade econômica no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Cerca de 650 investidores, banqueiros e alguns de seus mais importantes clientes ouviram a palestra de Dilma, superando as expectativas dos organizadores do evento. "Passamos os últimos dias procurando salas maiores para atender à demanda", informou o diretor de comunicação da BM&F Bovespa, Alcides Ferreira. "Não cabia todo mundo e, na última hora, abrimos uma outra sala com um telão."

"A crise na Europa lembrou a todos que o mundo ainda é cheio de riscos", afirmou um chefe de uma mesa de aplicações em mercados emergentes de um grande banco americano. "Então é bom examinar direitinho quais são os riscos nas eleições brasileiras."

O Valor teve acesso à lista de presentes. Pouco mais da metade da audiência era formada por brasileiros, e o resto, estrangeiros. Compareceram os representantes de todas as mais importantes instituições financeiras, como a Blackrock, Merrill Lynch, JP Morgan, Bank of America, Credit Suisse, Goldman Sachs, Oppenheimer, Deutsche, Nomura e Soros Fund, só para citar alguns.

"Essa é a estreia de Dilma no mercado financeiro", afirmou um gestor de fundos de investimento. "E ela escolheu fazê-la em Nova York, que é o centro dos centros financeiros mundiais."

O Valor ouviu banqueiros na entrada do encontro, para saber por que estavam ali e colher as suas expectativas em relação à palestra de Dilma. Depois do encontro, voltou a procurá-los por telefone para ouvir suas avaliações.

Na plateia, havia investidores que conheciam bem o Brasil, mas alguns, nem tanto. "Então o Banco Central brasileiro não é formalmente independente?", perguntou à reportagem um analista de risco em países emergentes de um grande banco. Outro queria entender se o acordo com Irã patrocinado pelo Brasil poderia representar uma guinada à esquerda do governo Lula.

"Em geral, os investidores estrangeiros estão prestando um pouco menos de atenção às eleições do que brasileiros", disse ao Valor o analista político Christopher Garman, diretor para América Latina do grupo Eurásia, dias antes do encontro.

Os brasileiros já colocaram nos preços dos principais ativos financeiros um prêmio para cobrir o risco das eleições. "É natural que tenhamos um pouco mais de cautela, porque o mercado é menor que o internacional, e a porta de saída, mais estreita", afirmou um banqueiro brasileiro presente à palestra de Dilma.

Os analistas do mercado financeiro já identificaram os riscos econômicos envolvendo os dois principais candidatos. No caso de Dilma, o ponto fraco é a política fiscal, já que a candidata defende uma presença mais forte do Estado na economia. No caso do pré-candidato do PSDB, José Serra, o risco é a interferência na autonomia do BC para conduzir as políticas monetária e cambial. A BM&F Bovespa pretende promover encontros semelhantes com Serra e com a pré-candidata do PV, Marina Silva.

Dilma não esperou ser questionada pelo mercado e, na sua apresentação introdutória, que durou quase uma hora, foi direto ao ponto que interessava: "Precisamos avançar na consolidação do quadro fiscal, perseguindo a diminuição da dívida pública para que continuemos a ter uma redução significativa das taxas de juros reais."

Dilma é identificada, no mercado financeiro, com uma política fiscal mais frouxa porque ela esteve à frente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um ambicioso plano de investimentos. A pré-candidata, porém, afirmou que o PAC é subordinado às metas fiscais. "Primeiro, definimos uma meta fiscal, que era a dívida pública cair a 30% do PIB, depois, os investimentos do PAC", disse Dilma. "Poderíamos ter feito mais investimentos, mas decidimos que não era adequado justamente para permitir a queda da dívida."

Outra preocupação dos mercados é com o uso excessivo dos bancos públicos no financiamento de empresas. Analistas têm apontado que os seguidos aportes de recursos do Tesouro no BNDES, que somam R$ 100 bilhões desde o estouro da crise financeira mundial em fins de 2008, representam um gasto quase fiscal, que coloca em perigo o equilíbrio das contas públicas no médio prazo.

"A crise mostrou que foi muito importante que o país tivesse bancos públicos", afirmou Dilma. "Mas nós atingimos o limite. Agora, o financiamento de longo prazo não pode ser feito no Brasil só com os bancos públicos." Segundo ela, será necessário desenvolver o mercado de capitais doméstico, ampliando a base de investidores, sobretudo fundos de pensão e outros investidores institucionais.

Dilma também reforçou o compromisso com a autonomia operacional do Banco Central e com o câmbio flutuante. Mas foi além: comprometeu-se em reduzir a meta de inflação, que se mantém estável em 4,5% desde 2005. "Acho que a prudência mostra que essa redução tem que ser gradual, num horizonte que começa em 2011 e vai até 2014. Mas com cuidado, uma vez que vivemos em um mundo muito turbulento."

O auditório aplaudiu Dilma quando ela, respondendo a uma pergunta da plateia, disse que o Brasil não cresceria com mais inflação, se ela for eleita presidente. Os banqueiros e investidores ouvidos pelo Valor depois do encontro elogiaram o desempenho dela. "Ela falou exatamente o que a gente queria ouvir", afirmou um investidor. "Não poderia ser melhor."