Título: Mau humor dos americanos gera incertezas nas eleições
Autor: Gerald F. Seib
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2010, Internacional, p. A10

Em meio à Grande Depressão da década de 30, os Estados Unidos deram uma guinada para a esquerda politicamente, e ficaram lá. Na recessão de 2008, o país oscilou para a esquerda, mas agora parece estar pendendo para a direita. Por que a mudança? Será difícil saber com certeza até a eleição deste ano para o Congresso. E também, diante da turbulência política e econômica atual, seria perigoso demais tirar conclusões rápidas e superficiais. Pode ser que uma mudança ideológica enorme esteja por vir. Ou simplesmente fique transparente que o país, no fundo, continua o que era antes de a recessão e a eleição de 2008 chacoalharem as coisas: um país que ideologicamente é de centro-direita. Também é possível que os democratas tenham apenas exagerado no último ano e meio e mudado a política para a esquerda rápido demais, gerando uma reação oposicionista parecida rumo à direita. Mas há uma possível explicação mais ampla: pode ser que o movimento que tem sido visto agora seja menos uma afirmação ideológica dos americanos e mais um reflexo da perda de confiança nas grandes instituições do país, inclusive no governo. Como os democratas criaram novos programas governamentais como solução para os problemas nacionais gerados pela recessão, são eles os mais prejudicados agora, pois o público simplesmente não confia na competência do governo para resolver os problemas. Não necessariamente os eleitores têm mais fé em quaisquer outras instituições, como as grandes empresas ou Wall Street. E os eleitores podem estar demonstrando menos uma preferência ideológica e mais uma falta de confiança nas ideologias dos dois partidos. Isso explicaria por que os resultados eleitorais têm sido tão confusos até agora: os republicanos venceram eleições importantes para governador nos Estados da Virgínia e Nova Jersey, enquanto os democratas conquistaram várias eleições complementares para a Câmara, como o importante voto da semana passada na Pensilvânia. Talvez por isso, mesmo com o declínio dos democratas nas pesquisas, a aprovação dos republicanos também não subiu muito. É por isso que é melhor ver a eleição de 2010 como a dos "insurgentes contra o sistema", diz Peter Hart, analista de pesquisa do Partido Democrata e um dos diretores da pesquisa Wall Street Journal/NBC News. "Estamos ficando mais furiosos, e boa parte dessa fúria é dirigida contra o sistema, isto é, governo, empresas e os que estão se aproveitando do sistema." Esse mau humor empurrou o eleitorado para a direita, embora ele não tenha se tornado tão radical assim. Na pesquisa WSJ/NBC, a fatia de americanos que se identificaram como de direita aumentou de 35%, no início de 2009, quando o presidente Barack Obama assumiu o cargo, para 40% atualmente. A fatia dos que se consideram republicanos, enquanto isso, também subiu de maneira parecida no período citado, de 29% para 37%. O Partido Democrata, de Obama, se coloca mais à esquerda, enquanto o Partido Republicano, hoje na oposição, abriga mais tendências de direita, embora ambos tenham políticos de centro. A mudança mais impressionante na opinião pública é a erosão da confiança nas grandes instituições do país, a começar pelo governo, mas sem ficar só nele. Há 20 anos, 42% dos americanos diziam confiar que o governo faria a coisa certa sempre ou na maioria das vezes. Mas na pesquisa WSJ/NBC deste mês, o percentual caiu para 25%. Para surpreendentes 31% dos entrevistados, "quase nunca" o governo fará a coisa certa. Os pesquisadores da Gallup encontraram um declínio de longo prazo parecido na confiança dos americanos nas outras grandes instituições. Nas últimas duas décadas, a fatia de americanos que afirmam que têm bastante ou muita confiança nos bancos caiu de 32% para 22%; nas grandes empresas, caiu de 26% para 16%; e na Suprema Corte, a queda foi de 48% para 39% dos entrevistados. Foi em meio a esse cenário que Obama e os democratas assumiram a Presidência e o Congresso, em 2008, e disseram ao país quase a mesma coisa que Franklin Roosevelt e os democratas de então disseram aos americanos em 1932: o país está uma confusão por causa dos grandes bancos e de Wall Street, e o governo pode ajudar os americanos a sair dessa confusão. No tempo de Roosevelt, os eleitores aparentemente acreditaram nas duas partes dessa declaração. O resultado foi que os democratas aumentaram suas maiorias na Câmara e no Senado nas eleições de 1934, no meio do primeiro mandato de Roosevelt. Este ano, os eleitores parecem ter se convencido apenas da primeira parte - que estão numa furada causada pelos bancos e por Wall Street -, mas menos na segunda parte, a de que o governo conseguirá tirá-los do buraco. O resultado disso é que é quase certo que os democratas vão perder assentos nas eleições deste ano para o Congresso. A lição a ser aprendida pelos democratas pode muito bem ser que a primeira obrigação deles é convencer as pessoas de que o governo pode ser eficiente e, portanto, merece um papel maior para ajudar o país a sair da recessão e suas consequências. Mas também há uma lição para os republicanos: eles se arriscam a exagerar a mão na ideologia e se derivar demais para as ideias libertárias de alguns do chamado movimento de protesto "tea party", espontâneo e mais radical. É certo que os eleitores não querem ausência de governo, mas também querem que ele seja competente e eficiente.