Título: Uma triste realidade
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 08/07/2010, Política, p. 7

Melhorar a educação no interior do país é um dos desafios do próximo ocupante do Planalto. São mais de 6,5 milhões de alunos na zona rural

Enviada especial

Serra Negra do Norte (RN) ¿ Em 22 anos de profissão, Saint Clear Felix nunca imaginou que precisaria dar aulas ao mesmo tempo para três classes diferentes. No Grupo Escolar Capitão Josué Álvares de Faria, na zona rural do pequeno município de 7.428 moradores, estudantes do terceiro e quarto ciclo dividem o mesmo espaço físico. Na sala ao lado, ficam os alunos do quinto. As três turmas assistiam às aulas juntas. Recentemente Saint Clear conseguiu outra classe. Foi uma das grandes vitórias na vida do professor, que recebe R$ 900 por mês, e tem dois empregos.

O desafio diário de Saint Clear é um dos principais problemas enfrentados hoje no país. E deverá ser encarado pelo próximo presidente eleito(1) do Brasil, seja ele Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva. ¿Muitos colegas estão desencantados. Ainda sonho com um país que priorize a educação¿, diz o franzino professor de 43 anos, que se anima facilmente quando o assunto é o ensino. ¿Não trabalho para sobreviver. Acredito no potencial dos meus alunos.¿

Difícil é compreender de onde Saint Clear tira tanta inspiração. A escola fica num pequeno povoado, distante do centro da cidade e com um único acesso por uma estrada de terra esburacada. O prédio é simples. Tem apenas três salas. A grama já tomou conta da quadra improvisada e sem muros, as crianças brincam na rua, que ainda não foi asfaltada.

As classes multisseriadas são uma realidade no país. Em 2008, correspondiam a 56,45% das unidades de ensino no campo. Segundo o último Censo Escolar, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Brasil tem 6,5 milhões de alunos na zona rural. A maioria é atendida pelas redes municipais de ensino. Entretanto, o próprio ministério admite as limitações do modelo. ¿A precariedade da educação oferecida às populações do campo se apresenta de forma mais visível nas escolas com turmas multisseriadas, que constituem a maioria das escolas do campo, uma vez que são escolas com um pequeno número de estudantes, situadas em localidades pouco populosas. Entretanto, o contingente de estudantes nestas escolas representa uma quantidade expressiva de pessoas que merecem e tem direito a um atendimento escolar de qualidade¿, diz um documento elaborado pelo MEC.

Exercícios Toda manhã, Saint Clear trava a mesma batalha contra o tempo. Tem quatro horas para ensinar. ¿Tento dar conta. Não é fácil. São conteúdos diferentes, idades e três planos de aula.¿ Nem ele consegue lembrar qual o programa do dia. ¿Posso consultar o plano¿, diz, puxando o caderno de anotações em meio a papelada. ¿Português, revisão de texto e matemática.¿ Enquanto passava exercícios no quadro para parte dos 27 alunos, a outra classe estava vazia. Sem professor, as crianças brincavam e ignoravam o trabalho entregue 15 minutos antes por Saint Clear. ¿Não tem como controlar¿, assume.

O conflito entre as faixas etárias é uma das maiores dificuldades. ¿Cada um tem o seu mundo, sua realidade. Na prática, não é tão simples¿, diz, criticando o programa chamado de Escola Ativa. Segundo o Ministério da Educação, esse modelo busca melhorar a qualidade do desempenho escolar em classes multisseriadas das escolas do campo. As estratégias, de acordo com o ministério, são implantar nas escolas recursos pedagógicos que estimulem a construção do conhecimento do aluno e capacitar professores. ¿Não tenho biblioteca, bandeira do Brasil, sirene, parquinho¿, enumera o professor.

Jéssica da Silva, 9 anos, tem dificuldades para ler. ¿Como é que vou despertá-la para a leitura se não temos livros¿, questiona o professor. A menina senta ao lado de Daniel, 8 anos, que ainda não sabe ler e nem escrever. ¿Já era para ele estar alfabetizado. Mas ainda não reconhece as letras. Está muito atrasado e não consigo fazer um trabalho individualizado¿, comenta Saint Clear. O lado emocional das crianças também é prejudicado. ¿Ninguém consegue prestar atenção. Os meninos mais novos fazem muita bagunça¿, reclama Franciely Monteiro de Oliveira, de 9 anos.

O Escola Ativa completou 10 anos em 2007. Segundo o MEC, já atendeu mais de 10 mil escolas no Norte, Nordeste e Centro Oeste. Atualmente o programa está presente em 39.732 escolas.

1 - Desafios Ao longo dos próximos três meses, o Correio publicará uma série de reportagens especiais sobre os desafios do próximo presidente do Brasil. Os temas serão apresentados sempre nas edições de quinta-feira.

Se eu fosse presidente...

Rosângela Martins, 55 anos, aposentada, moradora do Rio de Janeiro

¿Saúde e educação em primeiro lugar. No caso da educação, eu mudaria todo o sistema de ensino, desde a base escolar. O país só terá bons filhos, trabalhadores e cidadãos quando a educação for diferente¿

Nayan Fernando, 18 anos, estudante, morador de Taguatinga Norte

¿Eu me preocuparia com segurança. Capacitação para a polícia conseguir ser uma instituição que traga segurança para a população. A segurança tem que existir para que possamos estudar, trabalhar e até pegar um transporte público¿

Carlos Alberto, 63 anos, assessor da presidência da Câmara dos Deputados, morador do Guará

¿Eu investiria com certeza no salário dos médicos, estes estudam muito e acabam ficando desmotivados com o salário do hospital público. Com melhores salários, eles teriam entusiasmo para trabalhar naquelas condições precárias¿