Título: Desenvolvimento com igualdade
Autor: Alicia Barcena e Antonio Prado
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2010, Opinião, p. A13

Na América Latina e Caribe, a democracia deve buscar a participação, a inclusão e a justiça social

As últimas três décadas na América Latina e Caribe foram marcadas essencialmente por um baixo crescimento econômico e por uma lenta recuperação dos indicadores sociais prévios as crises da dívida externa e das hiperinflações dos anos 1980 e 1990. Deste ponto de vista, o panorama regional é desanimador. Não só as desigualdades seculares da região não foram vencidas, como sempre paira no horizonte um risco de retrocesso nos avanços conquistados durante os anos de bonança. O índice de pobreza em 1980 na América Latina e Caribe era de 40,5% da população e subiu para 48,3% em 1990, só voltando para 39,8% em 2005. Foram necessários 25 anos para recuperar o que se perdeu em função do colapso do padrão de crescimento baseado no forte endividamento externo. Quase o mesmo ocorreu com o PIB per capita, que após cair por uma década, só retornou aos cerca de US$ 3.600 de 1980, 14 anos depois. Uma dura lição e que revela que os custos sociais das crises econômicas têm sido por aqui drásticos e persistentes. A América Latina e o Caribe não são apenas uma região pobre e desigual mas também apresentam amplos contingentes da população com uma mobilidade social frágil, muito vulnerável as adversidades econômicas, sujeitos a regressar aos patamares abaixo da linha de pobreza e de miséria. A esperança de uma vida melhor parece escoar entre as mãos. Isto afeta de forma negativa a coesão social e o sentimento de pertencimento a um projeto de nação. Mas se é verdade que continuamos como um continente de problemas os mais diversos, é verdade também que não estamos necessariamente condenados à sorte de Sísifo. Muita coisa mudou nos últimos trinta anos e em consequência, novos desafios se impõem . Se por um lado reconquistamos a democracia nos anos 80 e 90, por outro temos o dever de preservá-la e aprofundá-la. A democracia não deve se restringir ao método de escolha dos governantes, em sua dimensão eleitoral, deve buscar a participação, a inclusão e a justiça social. A vitória sobre a inflação completada nos anos 90 e início dos 2000, não deve ser o único objetivo da política macroeconômica, mas também os estímulos aos investimentos produtivos e empregos. O crescimento econômico com distribuição de renda, conquistado recentemente, de meados dos 2000 até 2008, não deve ser a meta final. Devemos caminhar para o desenvolvimento com igualdade. Esses são fatos que colocam a América Latina e Caribe em uma nova situação. A Comissão Econômica para America Latina e o Caribe (Cepal) chegou a identificar um "casillero" vazio, uma caixa vazia no padrão de crescimento da região, sem períodos em que o crescimento econômico se combinava com a distribuição da renda. Isso até recentemente. No período de 2003 a 2008, o cenário mudou. A pobreza caiu de 44,2% da população para 33,2%. O PIB per capita subiu 3,5% ao ano e o índice de Gini apresentou queda em vários países. Com democracias resilientes e inflação sob controle. A América Latina e o Caribe, de forma geral, soube aproveitar as oportunidades geradas pelo crescimento mundial da última década, reduzindo sua vulnerabilidade externa e saneando suas finanças públicas. Isso permitiu um avanço substantivo nos gastos públicos e nas políticas sociais. A combinação de crescimento econômico, estabilidade da inflação, gastos sociais crescentes e a redução da taxa de dependência, que é um bônus demográfico, permitiu o crescimento com distribuição de renda. Ainda tornou o enfrentamento da crise financeira mundial, detonada em setembro de 2008, bem distinto de outros períodos. Se é verdade que a queda do crescimento econômico foi mais forte agora que em outras crises, também é verdade que a recuperação tem sido mais rápida e com os indicadores de endividamento das empresas e dos governos mantidos em patamares suportáveis. Não houve crise de insolvência na região. No entanto, a crise interrompeu seis anos contínuos de redução dos níveis de pobreza. A Cepal estima que aumentou em 9 milhões o número de pobres em 2009. Isso coloca em questão dois temas. Primeiro, os governos não devem desativar os mecanismos anticíclicos, acionados para o enfrentamento da crise, antes da retomada consistente da redução da pobreza e do desemprego, porém, sem comprometer a sustentabilidade fiscal alcançada. Segundo, devem começar a adotar medidas para um desenvolvimento com igualdade. Crescer para distribuir e distribuir para crescer. Essa fórmula vem funcionando e pode ser aprofundada. O crescimento das economias da região, em 2010, será superior ao crescimento mundial. Pela primeira vez, desde o imediato pós-guerra, a região não faz parte do problema, faz parte da solução. E isso baseado no crescimento dos mercados internos. O desenvolvimento com igualdade implica uma nova visão. As políticas macroeconômicas devem ser amigáveis aos investimentos e ao crescimento econômico. Políticas industriais e tecnológicas devem ser realizadas para reduzir a heterogeneidade estrutural na produtividade. As desigualdades territoriais, rurais e urbanas, devem ser diminuídas. As políticas sociais devem ser consideradas como direitos de cidadania. Para tudo isso, o Estado deve ser maior, mais democrático e eficaz. É um processo de mudança que exigirá novos pactos sociais e uma reforma tributária-fiscal significativa. Nada disso é simples, mas devemos ter a audácia de continuar avançando. Neste sentido, a Cepal está apresentando para debate entre seus 44 países membros, o documento A Hora da Igualdade, brechas por selar, caminhos por abrir, com o detalhamento desta visão e das propostas para levá-la adiante. Esperamos com isso cumprir nosso mandato e contribuir para uma América Latina e Caribe com um futuro melhor para todos.