Título: Novas regras para os bancos tentam evitar repetiçã
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Fonte: Valor Econômico, 26/05/2010, Opinião, p. A10

Deve sair melhor do que se esperava a reforma do setor financeiro dos Estados Unidos, em cujo texto final o Congresso americano trabalha neste momento. Durante muito tempo acreditou-se que o mercado poderia se regular sozinho. A dolorosa experiência dos últimos três anos mostrou o contrário. Normas frágeis e complacentes e a extrema liberalização favoreceram o desenvolvimento de uma criatividade irresponsável e nada transparente no mercado financeiro americano, que desencadeou a maior crise econômica global dos últimos 80 anos. Mudar as regras do setor financeiro foi uma das primeiras promessas do presidente Barack Obama, tarefa para a qual arrebanhou o conhecimento e o prestígio do ex-presidente do Federal Reserve (o Fed, banco central americano) Paul Volcker. O medo que a nova legislação acabasse abrandada se mostrou infundado. A grande resistência do próprio setor financeiro foi menor que o apelo da grande revolta popular e da sua evidente parcela de culpa na crise que ceifou milhões de empregos e riqueza no mundo todo. A Câmara e o Senado aprovaram versões diferentes da lei que serão agora conciliadas antes de o texto ser submetido à aprovação de Obama, em um mês. Alguns pontos da nova legislação não são propriamente novidade em outros mercados. Um deles é a criação de um agência federal para proteger o consumidor de produtos financeiros, como conta corrente e hipotecas. As agências de rating poderão ser responsabilizadas pelas avaliações feitas. Os grupos financeiros considerados "grandes demais para quebrar" serão alvos de fiscalização redobrada. Será criado um mecanismo para que liquidações de instituições desse porte sejam feitas sem prejuízo ao contribuinte, com dinheiro de um fundo formado com recursos das próprias instituições. Executivos terão que ressarcir os acionistas caso provoquem perdas com informações erradas ou imprecisas. A preocupação com o risco sistêmico levou à criação de um conselho específico para o assunto. A compensação e liquidação serão centralizadas. Haverá a fusão de dois órgãos de fiscalização e o Fed ganhou poderes para vigiar as grandes instituições financeiras. Dois pontos que devem suscitar tensão nesta fase final de conciliação das duas versões da nova legislação são a questão dos investimentos com capital dos próprios bancos e a dos derivativos. A legislação do Senado inclui a chamada "Volcker rule", proposta pelo governo Obama em janeiro, quando a versão da Câmara dos Deputados já havia sido aprovada. Ela restringe os investimentos proprietários dos bancos que não beneficiam os clientes, inclusive em fundos de hedge e private equity, um tiro no peito do Goldman Sachs, banco que tem uma parcela vultuosa de apostas bancadas com dinheiro próprio. A novidade de longe mais polêmica atinge os negócios com derivativos e ativos securitizados, que terão agora fiscalização federal. A maior parte das operações deverá ser realizada em bolsa e não mais no mercado de balcão, e contar com garantia de um clearing independente. O ponto que levantou mais críticas foi proibir os bancos de negociar com derivativos, incluído na versão do Senado. A saída será transferir as posições com derivativos para instituições especializadas. Até Volcker colocou-se contra a proposta, argumentando que sua recomendação de limitar os investimentos proprietários dos bancos ataca a questão. O Fed também é contra. A falha mais evidente da nova lei é não ter enfrentado o problema das empresas de crédito imobiliário do governo, Fannie Mae e Freddie Mac, que já consumiram em injeções de capital US$ 146 bilhões e devem ser a principal conta a ser paga pelo contribuinte americano. O custo final do Troubled Asset Relief Program (Tarp), programa que garantiu a liquidez dos bancos com a compra de títulos e ativos, ficou em US$ 109 bilhões, de acordo com levantamento do Deutsche Bank, dos quais US$ 34 bilhões foram gastos no resgate do setor automotivo. Uma emenda limitando o tamanho dos bancos não passou no Senado, assim como não vingou a proposta de taxar os bônus dos executivos de bancos. Enquanto aguardam a nova lei, os bancos calculam seu impacto nos balanços: 20% dos resultados líquidos estão sob ameaça, metade dos quais perdidos com a limitação dos negócios com derivativos - uma conta até modesta considerando o grande estrago feito.