Título: Absolvição em massa
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2010, Finanças, p. D1

do Rio

Noventa e duas pessoas acusadas de envolvimento em supostas operações irregulares que induziram fundos de pensão a perdas na bolsa foram absolvidas por falta de provas, ontem, pelo colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais brasileiro. O processo (PAS 23/2000), um dos maiores e mais antigos em andamento na autarquia, tem 20 mil páginas distribuídas em oito volumes e, embora tenha sido aberto em 2000, referia-se a operações realizadas entre os anos 1997 e 1998. O inquérito que deu início ao processo foi aberto a pedido da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), órgão do Ministério da Previdência encarregado, à época e até o ano passado, de regulamentar e fiscalizar os fundos de pensão. A SPC apontava para a CVM operações realizadas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ, incorporada em 2000 pela Bovespa), nos mercados à vista e de opções de ações, nas quais algumas pessoas operando por meio das corretoras Título e Norsul teriam "auferido lucros em detrimento de investidores institucionais". Esses investidores eram os fundos de pensão Ceres (dos funcionários da Embrapa), Fapes (BNDES), Fucae (Caixa Econômica do Estado do Rio Grande do Sul), Fundiágua (Caesb) e Fundação Copel (estatal de energia do Paraná). A maior investigação recaiu sobre os negócios da Ceres, que envolveu 3.533 operações em um total de R$ 544 milhões, sobre as quais a fundação lucrou R$ 5,2 milhões aproximadamente, enquanto o ganho das corretoras ultrapassou R$ 17,3 milhões. As acusações que a área técnica da CVM levantou, mas não conseguiu provar, são de prática não equitativa no mercado, operações fraudulentas e criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários. Se tivessem sido comprovadas as irregularidades, os acusados poderiam receber punições que variam de advertência à multa máxima equivalente a "três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito", passando por inabilitação para operar no mercado de capitais (art. 11 da Lei nº 6.385/76). Por prática não equitativa, os técnicos da CVM entenderam que os fundos de pensão tiveram rendimento menor do que aquele que poderiam ter obtido caso levassem a operação até o vencimento ou caso tivessem simplesmente comprado e vendido as ações à vista. O advogado da Título, Leslie Amendolara, contestou essa acusação dizendo que a corretora apenas seguiu as ordens da fundação, que não eram de operar à vista, mas sim de "travar" possíveis perdas com ações por meio do mercado de opções. A acusação frustrada apontou que as corretoras cometeram fraude em operações "disfarçadas de financiamento que visaram ocultar da fiscalização o seu verdadeiro objetivo, que era proporcionar expressivos lucros às contrapartes". Os intermediários teriam ainda criado condições artificiais de demanda com a finalidade de gerar resultados previamente acertados e, para isso, teriam direcionado as operações para a BVRJ, já na época um mercado sem liquidez e, portanto, "sem parâmetro de preços" no entendimento dos técnicos. A sessão de julgamento durou toda a tarde no auditório da CVM no Rio. Dez advogados representando a maioria dos envolvidos expuseram a defesa, que demorou aproximadamente duas horas. Em comum, a defesa alegou, além da falta de provas, prescrição dos prazos e incapacidade da CVM em investigar irregularidades envolvendo entidades fechadas de previdência complementar - supervisionadas atualmente pela agência nacional de previdência complementar (Previc), que substituiu a SPC. "Este caso foi fora da curva pela quantidade de envolvidos", reconheceu o diretor da CVM Eli Loria, responsável pelo relatório final que absolveu os acusados, ao explicar a demora na conclusão do caso. Sua decisão foi seguida unanimemente pelos demais membros do colegiado e pela presidente, Maria Helena Santana. Loria afirmou que a demora de mais de 15 anos do caso se deveu ao fato de que alguns dos acusados entraram na Justiça pedindo a produção de novas provas, atrasando o trâmite na CVM. Loria foi encarregado do caso em 2007, quando então descobriu que não poderia acelerá-lo porque muitos dos acusados não tinham sido convocados para depoimento, obrigando a CVM a retomar essa etapa.