Título: Meta de inflação testará compromisso de Dilma em NY
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2010, Política, p. A8

De São Paulo

Uma coincidência de calendário poderá confirmar se a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, jogou para a plateia ou falou sério quando acenou com a possibilidade de reduzir a meta de inflação no segundo ano do seu governo, caso chegue ao Planalto. A chance de mandar um recado sobre que Banco Central um governo Dilma pretende ter está aí, mas há dúvida de que será usada.

Em junho, quando as convenções partidárias oficializarem seus candidatos às eleições, o Conselho Monetário Nacional (CMN) pode mandar um recado emblemático se optar pela redução da meta de inflação, plantada em 4,5% há sete anos.

A pré-candidata do PT lançou a possibilidade de redução da meta a uma seleta plateia em Nova York. Mesas de operações do mercado financeiro ignoraram a declaração de Dilma. Especialistas receberam bem o sinal da pré-candidata por considerar que a iniciativa, se confirmada, renovaria o compromisso com a política monetária, acenando também com a retomada da abandonada agenda de desindexação da economia. Mas há quem discorde.

Em junho, o CMN cumpre uma determinação legal e define a meta de inflação de dois anos à frente. Portanto, a meta de 2012. O momento da decisão pode parecer inoportuno pela incógnita lançada nos mercados pela crise fiscal na Europa. Mas é exatamente o fato de o Brasil não sucumbir às crises internacionais recentes e severas que reforça a defesa de redução da meta de inflação.

"O mundo está complicado, mas sempre existirá problema", afirma o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. "O Brasil vai bem não por obra divina, mas porque segue uma política econômica responsável e uma política monetária que ajuda a manter a estabilidade. Ao lado da política fiscal e do câmbio flutuante, o Brasil tem o regime de metas de inflação e o governo é quem define a meta. Esta é uma decisão de governo. Portanto, quanto antes a meta for definida, mais rápido se define as regras do jogo. No caso, o jogo do próximo governo", acrescenta.

Ele avisa que sempre existirão os que defendem a manutenção da meta atual ou até a inexistência do regime de metas, mas cita algumas razões para a redução.

"Se Dilma Rousseff vencer a eleição, ela precisa estabelecer a credibilidade do governo. E não é razoável supor que sairá de um regime de política econômica bem sucedido para embarcar numa aventura. Até mostrar qual será o BC dela, a suspeita é de que poderá ser qualquer um. E meta de inflação menor pode indicar um BC mais conservador. É fato que a sociedade não gosta de bancos centrais conservadores, mas seria um excelente sinal", avalia o economista.

Também justifica meta de inflação menor o fato de que metas altas praticamente convidam as pessoas a buscarem prêmios para riscos, gerando resistência à queda da inflação, indica o economista. Outra razão para a revisão da meta é que na economia globalizada as taxas de câmbio flutuam e uma das fontes de variação do câmbio real é a paridade do poder de compra. "Quando olhamos os parceiros comerciais do Brasil - Estados Unidos, Europa, China, Japão e América Latina com exceção da Argentina-percebemos que a maior parte deles tem inflação mais baixa. O Brasil deveria, portanto, fazer sua inflação convergir para os níveis dos seus parceiros".

Por último, lembra Pastore, no Brasil a âncora da inflação é a inflação esperada e ela responde muito claramente à meta. "A meta definida pelo governo ajuda a trazer a inflação para baixo, o que já é um bom motivo para um alvo menor".

Ricardo Carneiro, diretor executivo do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, considera viável a redução da meta de inflação, mas a partir de duas precondições. A primeira é a desindexação do próprio índice de referência do regime de metas (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA) que carrega em cerca de 30% a inflação passada; a segunda é a estabilização da taxa de câmbio.

"Sem isso, a redução da meta tem custo em termos de emprego e crescimento econômico. Sem essas precondições, qualquer choque na economia tem grande propagação pela inflação passada ou pelo repasse da correção cambial. O pass-through no Brasil é o maior do mundo. Portanto, reduzir a meta de inflação tem custos", diz.

Carneiro reconhece que os agentes podem interpretar a iniciativa de redução da meta, se confirmada, como sinal de mais longo prazo --um compromisso de fato com inflação menor-- mas que não é indolor. "O governo estaria assumindo uma política mais dura. Só não é possível imaginar que não haveria custo nenhum. Alguém pagará a conta. Resta saber quem".

O economista Edgard Pereira, professor da Unicamp, lembra que todo ano a discussão sobre a meta futura ganha corpo, mas que a decisão de manter o alvo inalterado tem se mostrada acertada. "A inflação vem subindo e mostra que a meta vigente é compatível. Já existe uma convenção formada de que este nível de inflação (4,5% no cento da meta) é normal e aceitável, o que é muito importante para a avaliação do sistema".

Pereira cita que a inflação mais alta no curto prazo, combinada a uma eventual redução da meta ainda que futura, indicaria uma ação mais forte da política monetária. "Uma redução seria disfuncional no curto prazo e afetaria a referência do modelo que vem se mostrando eficiente", pondera.

José Júlio Senna, ex-diretor do BC e atual sócio da MCM Consultores Associados, foca nas expectativas. Afirma que no regime de metas o número em si é uma verdadeira âncora. Ele entende que a importância dessa referência cresce quando a reputação do BC é boa e considera inegável que a reputação do BC aumentou nos últimos anos.

"O centro da meta é um horizonte importante para os agentes e a inflação corrente acaba convergindo para ele. Exemplo da ancoragem é o presente. A economia brasileira ainda está muito aquecida, apesar da crise internacional. Em outros tempos, talvez as expectativas inflacionárias já tivessem desgarrado e a inflação corrente fosse bem superior a atual. Mas a âncora está lá, o BC mostra-se comprometido com o resultado dessa política e fará tudo o que deve ser feito para que a meta seja cumprida", diz Senna.

Ele considera pouco provável que os integrantes do CMN, quando se reunirem em junho e à luz das pesquisas eleitorais, ignorem a necessidade de indicar a continuidade da política econômica. Meta de inflação de 4% seria um sinal revelador de compromisso maior com o arcabouço macroeconômico que está aí.

Alexandre Mathias, diretor da Itaú Asset Management e especialista em metas de inflação, pondera que qualquer corte na meta, ainda que de 0,25 ponto percentual, seria emblemático no sentido de recuperação da agenda de desindexação da economia brasileira.

"O custo da sinalização seria pequeno em termos de política monetária. E uma redução mais agressiva da meta, mais adiante, para algo em torno de 3% e banda de flutuação de 1,5 ponto por dois ou três anos traria ganhos imediatos importantes. Por exemplo, a redução dos prêmios embutidos em títulos de prazos mais longos, inclusive os do governo".