Título: UE tem desafio de crescer cortando gasto, diz Gurría
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2010, Internacional, p. A10

De Paris

Angel Gurría, secretário-geral da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), reconhece que a tarefa dos países europeus é dura, espremidos entre necessidade de rigor fiscal e manter a recuperação econômica. Mas acha que o jeito é tentar o equilibrio, do contrário a situação tende só a piorar, conforme indicou em entrevista ao Valor, ontem, em Paris.

Depois de elogiar o "crescimento fantástico" de 6,5% que projeta para o Brasil, Gurría alerta para o os riscos de superaquecimento da economia e de inflação. De maneira geral, sugere alta de juros nos emergentes, e cortes de despesas e elevação de impostos nos países ricos com enormes déficits.

Em nova versão do relatório sobre as perspectivas econômicas globais, a OCDE diz que a expansão "vigorosa" da China, Índia, Brasil e outros emergentes ajuda a tirar os outros países da recessão. Mas alerta que a volatilidade dos mercados da dívida soberana e o superaquecimento das economias emergentes trazem riscos crescentes para a recuperação da economia mundial.

Uma recaída após uma fase de forte expansão não pode ser excluída, diz a OCDE, estimando que a situação exige endurecimento "mais marcante" dos juros em países como a China e Índia, tendo por consequência um crescimento menor nas outras regiões.

A entidade melhorou, em todo caso, as projeções para a economia mundial. Prevê que a alta do PIB mundial agora em 2,7% este ano, contra a previsão de 1,9% feita em novembro. Nos EUA, a economia pode expandir 3,2%; no Japão 3%; mas, na zona do euro, o crescimento não deve passar de 1,2%. A diferença é que a crise tem efeito de longo prazo maior do que se esperava e a expansão vai ser modesta nos próximos anos.

Para Gurría, a vulnerabilidade que persiste nos bancos dos países industrializados exige uma só receita: "mais capital, capital, capital". A OCDE estima que os bancos correm o risco de sofrer novas perdas por causa dos efeitos diferidos da recessão, sobretudo nos empréstimos imobiliários. Além disso, alguns bancos que captaram dinheiro barato e investiram em ativos de longo prazo também podem ser complicar. E, por fim, os preços de ativos da banca podem cair caso os bancos centrais comecem a vender os ativos que compraram durante a crise.

A seguir, os principais trechos da entrevista com Angel Gurría.

Valor: A Europa em crise amplia planos de austeridade, com cortes de gastos. Essa é a receita certa para um período pós-recessão?

Gurría: O problema é que temos de fazer as duas coisas ao mesmo tempo: consolidação fiscal e assegurar a recuperação econômica. Vivemos uma grande crise do emprego e precisamos tratar disso. Mas os mercados estão muito concentrados na questão dos déficits. A dívida pública acumulada nas maiores economias do mundo vai passar de 100% do PIB. Isso está provocando uma grande debilidade nas bolsas e problemas de acesso aos mercados financeiros, tanto para os países envolvidos como para todos os outros.

Valor: O receituário, então, é cortar despesas e subir impostos nos países ricos?

Gurría: Preferimos corte de despesas em vez de aumentar impostos. Mas há casos em que algumas altas de impostos são necessárias. Mas é preciso que as reduções de despesas e as altas de impostos sejam bem delimitadas, para não afetar muito a recuperação. Que não afete a área social, por exemplo. E é preciso reformas nos mercados de trabalho e estimular a concorrência, isso é claro.

Valor: O euro já caiu 15% desde janeiro em relação ao dólar. A volatilidade da moeda é um risco a mais?

Gurría: Muitos dizem que o euro está no nível que tem que estar. Estava muito valorizado e agora está num nível mais racional. Mas não podemos ter decisões econômicas baseadas no comportamento da moeda num dia ou num mês, mas sim ver a tendência de longo prazo. Na verdade, o que deveríamos ter era um ajuste, uma flexibilidade na taxa de câmbio em outras regiões. E não podemos culpar o euro pelas decisões de política econômica que formam a zona do euro. Existe um problema fiscal. A crise da dívida soberana mostra a necessidade para a zona do euro de consolidar sua arquitetura institucional e operacional. É preciso reforçar com vigor a disciplina orçamentária. Alguns países começaram a adotar medidas, e isso é bom.

Valor: Com um custo enorme.

Gurría: Vai haver um custo de curto prazo. Na Espanha, por exemplo, o governo vai cortar 1 ponto percentual a mais do déficit público. Com isso, o crescimento econômico cai de 1,8% para 1,3%, é uma perda de 0,5 ponto. Mas é preciso fazer isso para assegurar uma recuperação sadia. A economia mundial passa por momentos críticos. Os mercados estão pedindo sinais de consolidação fiscal. A questão agora é coordenação, cooperação para que as coisas sejam bem equilibradas e que se mantenha a recuperação econômica. Sem decisões políticas fortes, o crescimento continuará medíocre, o desemprego e os déficits elevados. Mas, com decisões importantes, pode-se consolidar as contas e recuperar até 3 pontos do crescimento mundial.

Valor: As bolsas degringolam, há temor de novo pânico. O sistema bancário europeu está sob risco?

Gurría: Todos os sistemas bancários estão sob risco se não há um processo ulterior de capitalização e de adotar regulamentações e supervisão mais fortes, mais coordenadas. Minha sugestão é capital, capital, capital.

Valor: A OCDE menciona risco de superaquecimento da economia no Brasil.

Gurría: O Brasil está bem. Projetamos crescimento de 6,5% para 2010. Isso é fantástico, ainda mais quando a Europa está falando em 1%. Juntos, Brasil, China e Índia têm condições muito mais favoráveis. Agora, nossos economistas alertam para riscos de superaquecimento e de inflação. Veja: os investidores podem tomar empréstimos a zero e fazer investimentos num país como o Brasil com rentabilidade muito interessante. Isso pode provocar pressão inflacionária dos preços dos ativos no Brasil, e distorcer o processo de recuperação. Num primeiro momento, tanto fluxo de capital parece bom porque demonstra confiança no real, na economia. Mas depois vem a pressão dos preços dos ativos, que não é consistente com a recuperação sustentável da economia.

Valor: Qual será o impacto da crise europeia no Brasil?

Gurría: O Brasil tem um sistema financeiro forte, bem capitalizado, um banco de desenvolvimento muito dinâmico. Tem um comércio exterior diversificado, não é como o México, que depende muito dos EUA. Na área fiscal, o país está bem. No geral, consideramos que os riscos estão equilibrados.