Título: Crise não afetou crédito externo, avalia Fazenda
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2010, Finanças, p. C1

De Brasília

Os efeitos da crise na zona do euro sobre a economia brasileira só serão preocupantes se houver uma contração do crédito externo, tal como ocorreu na crise de 2008, segundo avaliação dos economistas do ministério da Fazenda. Eles estão monitorando o comportamento do crédito externo diariamente, através do Banco do Brasil, e ainda não houve sinais de maior restrição, asseguram.

Não se espera, assim, que as tensões na Europa colaborem com uma desaceleração importante do crescimento econômico do Brasil este ano. Na Fazenda, aliás, a convicção é de que o nível de atividade começou a se acomodar em um patamar mais baixo no segundo trimestre, comparado ao primeiro que estava "muito inflado", disse uma fonte. Um indicador que confirmaria essa tese seria a queda das vendas dos supermercados, em abril, de 4% sobre março e de 0,49% sobre abril do ano passado.

O PIB doméstico, indicam, deve encerrar o exercício com uma expansão de no máximo 6,5% - percentual muito aquém dos 8% que alguns analistas do mercado estimam.

Há, contudo, uma grande interrogação em meio a essas análises: se a crise europeia pode se degenerar em uma falência bancária e se, nesse caso, o Banco Central Europeu lançaria as âncoras para socorrer os bancos. Essa é uma questão para a qual Mantega tem alertado nas discussões internas.

Por enquanto, as indicações são de que a crise será limitada e, portanto, o mesmo deve ocorrer com o processo de contaminação. No caso do crédito, a conta que se faz é que dos R$ 340 bilhões de ativos dos bancos estrangeiros no país, somente R$ 150 bilhões são de bancos europeus, sobretudo do espanhol Santander, "que pode dar uma travada", disse uma fonte oficial. Ainda assim, o governo considera que a situação dos bancos públicos é boa e o papel que Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social jogaram na crise de 2008 mostrou que são instrumentos fortes que podem ser usados para compensar uma seca temporária do crédito externo.

A queda dos preços das principais commodities que o Brasil exporta para a União Europeia pode enfraquecer ainda mais a performance da balança comercial. Por outro lado, um desaquecimento desses preços ajudaria o país a controlar a inflação deste ano e a do próximo, já que uma redução nas cotações das commodities pressionaria menos os índices gerais de preços domésticos. Como o IGP funciona como indexador dos reajustes das tarifas e preços administrados do próximo ano, esses tenderiam a subir menos. Uma variação de 10% no IGP representaria, segundo os técnicos, uma inflação já contratada para o ano que vem de 1,23%, tornando mais custoso para o Banco Central levar o IPCA para o centro da meta (4,5%) em 2011.

A queda nos preços das commodities brasileiras não prejudicaria demais as exportações brasileiras, dizem eles, pois hoje a Europa é responsável por 25% das vendas do país e desses metade são exportações de manufaturados e semi-manufaturados. Se a zona do euro não vai crescer, as economias da Ásia, os Estados Unidos e os Brics estão indo bem, o que leva os economistas da Fazenda a projetar um déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, na pior das hipóteses, de US$ 50 bilhões este ano.

Por um conjunto de razões, portanto, os economistas do ministério da Fazenda avaliam que essa crise é muito diferente do "crash" de 2008 e seus impactos sobre o Brasil devem ser mais limitados: apenas 13% do produto interno depende do comércio exterior e 75% das exportações brasileiras independem da Europa, argumentam.