Título: Adoção de barreiras é criticada pelo setor privado argentino
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2010, Brasil, p. A4

Diante da iminência de represálias do Brasil e de outros parceiros comerciais, como a União Europeia, o setor privado da Argentina fez críticas ao governo e pediu cautela na adoção de barreiras à importação de alimentos processados. Enquanto isso, o gabinete da presidente Cristina Kirchner tentou baixar o tom da polêmica e voltou a desmentir a existência de travas. Importadores têm afirmado que o veto a produtos estrangeiros com similares nacionais é uma determinação apenas verbal da Secretaria de Comércio Interior.

"Um tiranossauro rex conduziria as coisas com mais delicadeza do que o senhor Guillermo Moreno", afirmou o presidente da Federação Agrária, Eduardo Buzzi, referindo-se ao secretário que idealizou a medida e conversou com redes de supermercados e atacadistas. À frente de uma das maiores entidades rurais do país, Buzzi disse temer as consequências sobre produtores primários da Argentina. "A indústria nacional deve ser protegida, mas não como vem fazendo este governo, com proibições que logo trazem represálias."

Já o presidente da União Industrial Argentina (UIA), Héctor Méndez, pediu que o governo não tenha "perfil confrontativo, mas de negócios" nas relações comerciais com o Brasil. "Há que ser criterioso e buscar caminhos de equilíbrio", afirmou Méndez.

O governo defendeu suas políticas comerciais, mas negou a tensão. "O Brasil tem uma balança favorável com a Argentina, o que quer dizer que a Argentina importa muito mais do que exporta. Isso não implica que nós não defendemos a indústria argentina, os trabalhadores e os preços nas gôndolas dos supermercados", disse o ministro do Interior, Florencio Randazzo, em declarações à "Rádio 10". Segundo ele, que acompanhou a presidente no embarque para o Rio, onde participa hoje do Fórum de Aliança das Civilizações, a Argentina não brigará com o Brasil "de nenhuma maneira".

A ministra da Indústria, Débora Giorgi, divulgou comunicado em que nega a retenção de caminhões brasileiros na fronteira e diz que "não há nenhuma apresentação formal (de queixas) realizada pelo Brasil sobre restrições à entrada de alimentos".

Débora destaca o desempenho do comércio bilateral no primeiro quadrimestre de 2010. As exportações brasileiras para a Argentina cresceram 57%; do lado contrário, as vendas de produtos argentinos ao Brasil aumentaram 39%. A balança está superavitária para o Brasil em US$ 859 milhões.

Apesar da ausência de uma barreira formal contra a entrada de alimentos processados, as travas existem, assegurou o presidente da Câmara de Comércio Argentina-Brasileira, Jorge Rodríguez Aparicio, ao jornal "Clarín". "Concretamente, não temos nenhuma norma que estejam complicado as coisas, são comentários verbais do secretário de Comércio", explicou. Mas as advertências provocaram redução de encomendas. "Esses comentários já tiveram repercussão, porque ninguém vai comprar produtos se depois a alfândega retém sua entrada." Para o executivo, o efeito das restrições transcende o setor de alimentos. "A questão da desconfiança fica gravada na mentalidade dos empresários brasileiros."

Ontem, no Rio, o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, minimizou os efeitos da nova disputa comercial entre Brasil e Argentina. "Não há clima para represálias. A briga com a Argentina só tem consistência no futebol", disse Garcia. Ele admitiu, porém, que o Brasil poderá retardar a liberação de licenças não automáticas de importação para produtos argentinos.

"Mas isso não configura sequer guerrilha, menos ainda uma guerra de posições", afirmou. Na quarta-feira, o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, disse que o Brasil poderia adotar medidas de retaliação contra a Argentina caso fosse confirmado que o bloqueio de caminhões na fronteira entre os dois países extrapolava questões burocráticas. No mesmo dia, o Valor adiantou que o Brasil estava disposto a retaliar a Argentina atrasando a liberação de licenças não automáticas de importação.

Para Garcia, a atual discussão comercial com a Argentina é resultado de uma medida isolada tomada por funcionário de segundo escalão. É um tema que, segundo ele, os dois países têm condições de resolver pela via da negociação. (Colaborou Francisco Góes, do Rio)