Título: Justiça de outros países garante a volta do dinheiro
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2010, Política, p. A8

Embora a estratégia do Ministério da Justiça durante o governo Lula tenha sido a de reforçar os instrumentos de cooperação internacional para recuperar recursos desviados do país e combater a lavagem de dinheiro, na prática a estratégia tem sido prejudicada pela ausência de condenações na Justiça. A consequência disso é que a recuperação do grosso do dinheiro já retomado pelo Brasil em casos de desvios ao exterior deve-se às Justiças dos países onde os valores foram encontrados.

O caso que envolve o escândalo que ficou conhecido como Propinoduto é um dos exemplos mais recentes: os US$ 30 milhões desviados pelos fiscais do Rio de Janeiro e encontrados fora do país estão em vias de cruzar as fronteiras: já saíram das contas bancárias dos autores dos crimes na Suíça e foram depositados em uma conta no exterior para, em seguida, retornarem ao Brasil. Mas isso só ocorreu porque a Justiça suíça condenou seus banqueiros pela lavagem de dinheiro dos fiscais (veja quadro ao lado). No Brasil, segundo Gino Liccione, procurador da República no Rio responsável pelo caso do Propinoduto, o processo ainda aguarda o julgamento dos recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os mais de 20 réus foram condenados em primeira e segunda instâncias a penas que variam de 14 a 17 anos de prisão. "O problema é que a Justiça condena, mas não conclui os processos", diz Liccione.

Em outros dois escândalos de corrupção mais antigos - que envolveram a advogada Jorgina de Freitas Fernandes, conhecida como a maior fraudadora do INSS, e o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, que desviou parte do valor destinado à construção do novo fórum trabalhista da capital paulista -, decisões de Justiças estrangeiras também foram as responsáveis pela retomada de recursos desviados ao exterior. E há exemplos ainda mais esdrúxulos: US$ 1,2 milhão desviados do município de São Paulo por Celso Pitta durante sua gestão como prefeito, de 1997 a 2001, voltaram ao país porque Nicéia Pitta, ex-mulher do prefeito, autorizou. Segundo o procurador Rodrigo de Grandis, do Ministério Público Federal em São Paulo, a conta havia sido aberta em nome dela, que serviu como testemunha de acusação no processo contra o ex-prefeito.

Os acordos de cooperação ganharam a atenção do Ministério da Justiça durante a gestão de Márcio Thomaz Bastos, quando foi criado o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado à Secretaria Nacional de Justiça e dedicado exclusivamente a intermediar a recuperação de recursos no exterior em processos penais em curso na Justiça e sob responsabilidade do Ministério Público. O departamento - até há duas semanas sob o comando de Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça hoje investigado pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento com um contrabandista chinês (leia matéria abaixo) - concentrou esforços na negociação de acordos bilaterais e multilaterais de cooperação penal internacional. Hoje há acordos com mais de 100 países, entre assinados e negociados, que permitem ou irão permitir a troca de informações, o bloqueio de bens e contas bancárias e a devolução de recursos desviados.

Enquanto a Justiça não julga os casos de lavagem de dinheiro investigados e processados, os recursos desviados se mantêm bloqueados, mediante pedidos de cooperação internacional. Mas, de acordo com Boni de Moraes Soares, diretor interino do Departamento de Recuperação de Ativos, há uma clara convicção de que o problema é, na verdade, muito maior do que apenas trazer os US$ 3 bilhões hoje bloqueados de volta aos cofres do Tesouro brasileiro. "Há muito mais dinheiro desviado do país e mantido lá fora, mas que não é descoberto porque as autoridades não investigam a lavagem de dinheiro", diz.

A percepção se comprova em números. Em Alagoas, Estado onde surgiu o escândalo que ficou conhecido por "esquema PC Farias", numa alusão ao então tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que sofreu um processo de impeachment, renunciou ao cargo e anos mais tarde foi absolvido pelo Supremo, até hoje nunca houve investigação por lavagem de dinheiro. Na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo, especializada em lavagem de dinheiro, não há, segundo o juiz titular Fausto Martin de Sanctis, um único caso envolvendo crime de corrupção atualmente. "Não há produção de estatísticas nesse campo", diz. Isso ocorre porque os casos não chegam ao Poder Judiciário, e os poucos que chegam jamais são julgados - daí a dificuldade em recuperar o dinheiro. "O Brasil tem avançado timidamente nesse campo, e isso é um sentimento corrente na sociedade", afirma o juiz. (CP)