Título: Para classe D, dívida é prestação atrasada
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2010, Finanças, p. C8

Embora ganhe espaço progressivamente no sistema financeiro, a população de baixa renda procura evitar as agência bancárias. Considera que a compra de uma moto não é consumo, mas investimento. E que empréstimo não é dívida, porque dívida é prestação atrasada. Conquistar clientes na classe D exige dos bancos um aprendizado. Tudo o que as instituições sempre aplicaram à clientela tradicional nem sempre é válido.

"Baixa renda para nós é tudo o que está abaixo de R$ 800 por mês, seja renda oficializada ou não. Aprendemos que a baixa renda reconhece tudo o que é feito. Não se recusa, por exemplo, a pagar tarifa desde que adequada ao seu bolso", comenta Odair Afonso Rebelato, diretor executivo do Bradesco e responsável pela rede de agências.

Rebelato explica que a mobilidade social se reflete mais na classe D do que em qualquer outra, porque essa parcela da população é muito sensível aos reajustes do salário mínimo. "A estratégia do Bradesco é capturar essa mobilidade. Não queremos namorar essa população, mas casar com ela. Queremos acompanhar o seu avanço na pirâmide social", confessa.

O departamento de economia do banco confirma que a participação das classes A, B e C na população brasileira saltou de 44,8% no início de 2004 para 61,5% em março deste ano, o que significa ascensão de 35 milhões de pessoas no topo da pirâmide social. No mesmo período, cerca de 29 milhões de brasileiros, com renda de até R$ 689, deixaram a classe E.

O investimento do Bradesco na mobilidade da baixa renda teve início entre 2000 e 2001 com a decisão estratégica de fazer o lance de R$ 200 milhões na licitação do Banco Postal, assegurando o direito de explorar as agências dos Correios. Somaram-se a este aporte R$ 150 milhões para ajustes tecnológicos e mais R$ 400 milhões para colocar a engrenagem em marcha.

Os investimentos recentes são diluídos nas agências. A rede de 3.400 agências dá suporte para o atendimento à baixa renda.

O Bradesco não contrata profissionais com perfil específico para lidar com a baixa renda, mas vem expandindo os departamentos voltados a esse atendimento. Um diretor e supervisores regionais orientam as tarefas de 300 profissionais que circulam pelo país.

Condição fundamental para trabalhar com a baixa renda, explica Rebelato, é gostar do que se faz. Sentir prazer em ajudar parte da população a se desenvolver. "Os clientes de baixa renda precisam de orientação. Nossos funcionários ajudam a preparar orçamentos, fazem contas e calculam as soluções ideais para essa população que tem nos programas sociais uma fonte importante de riqueza."

Na área há dez anos, o Bradesco vê progresso em valores de cidadania. Sondagem realizada pelo banco no ano 2000 destacava como principais valores da baixa renda: casa própria, telefone celular e acesso ao atendimento bancário, representado pela possibilidade de receber benefícios de programas sociais nos locais de moradia. Uma reedição da sondagem feita no início deste ano traz como principais valores: casa própria com endereço, educação dos filhos e acesso a bens de consumo.

Rebelato revela que 90% da população de baixa renda consultada quer ter crédito e 73% considera cartão de crédito essencial.

"Os valores dessa população são diferentes e devem ser vistos com um novo olhar", pondera.

"Comprar uma moto não é um ato de consumo, mas um investimento. Empréstimo não é dívida. Para essa população, dívida é uma prestação atrasada."

Para lidar com a baixa renda, é preciso entender que pobre não quer ser rotulado de pobre. O cliente da baixa renda quer produtos semelhantes aos oferecidos aos outros segmentos da população.

Rebelato conta que o Bradesco já bancarizou 10 milhões de brasileiros em todo o país e cerca de 84% deles têm dinheiro em caderneta de poupança e adora plano de capitalização -instrumento que torna a poupança obrigatória e ainda tem sorteio. "Essa população acredita que o que é bom vem na forma de prêmio, da surpresa", relata.

Entre os produtos com forte apelo à baixa renda está o microseguro. Morte acidental e auxílio funeral são acessíveis com parcelas mensais de R$ 3,50 a R$ 6 que sobem de acordo com a possibilidade ou necessidade dos clientes.

A população de baixa renda evita agências e prefere ser atendida pelos correspondentes bancários. "Esses clientes não se julgam merecedores de entrar numa agência. E isso não vale apenas para a população que está distante dos grandes centros. Em São Paulo, ao lado da Avenida Paulista que é a mais bancarizada do país, temos um Banco Postal com 4 mil clientes."

O Banco do Brasil tem avaliação semelhante. Jânio Carlos Endo Macedo, diretor de varejo da instituição, explica que o banco vem trabalhando em modelos de atendimento que tragam maior conforto para a população de baixa renda e que não sejam, necessariamente, uma agência bancária.

"Queremos trabalhar com essa população para melhorar inclusive o sentimento de cidadania. Uma das formas de se conseguir isso é criando pontos adequados de atendimento. As pessoas precisam ter comodidade e familiaridade no atendimento. Não precisa ser uma agência. O atendimento pode ser feito por um correspondente bancário, um contato telefônico, páginas na internet ou terminais de autoatendimento com linguagem simples", explica Macedo.

O diretor do BB conta que a instituição tem 52 milhões de clientes pessoas físicas e que 65% do total correspondem às classes D e E. "Parece muito, mas esse é um retrato do Brasil. O banco está presente em todos os estados e reflete essa realidade."

O BB, que também tem uma divisão específica dedicada à formatação de produtos e atendimento para baixa renda, disponibiliza aos clientes uma conta corrente com pacote de serviços com tarifa de R$ 5. Macedo esclarece que este pacote de serviços vai além da conta corrente que oferece serviços essenciais e é isenta da cobrança de tarifas, como determina o Banco Central. Na área de seguros, essa clientela tem acesso a um produto que garante proteção em caso de acidente pessoal e morte acidental por R$ 4,99 mensais.

Na Caixa, dos 50 milhões de clientes pessoas físicas, 66% têm renda até R$ 700 e 24% de R$ 700 a R$ 3 mil. "O foco da Caixa tem sido a clientela de baixa renda e classe média. Nossa ideia é, além de bancarizar, fidelizar o cliente", explica Marcio Percival, vice-presidente da instituição.

"Temos noção de que, para manter a rentabilidade, para cada cliente de alta renda precisamos de cinco clientes de baixa renda. E fidelizar a clientela significa oferecer mais de um produto por cliente", afirma. A partir de projeções macroeconômicas e de mobilidade social, a Caixa prevê a inclusão de 12 milhões a 15 milhões de brasileiros no mercado consumidor nos próximos anos. Na ponta da aplicação de recursos, a poupança da Caixa não exige valores mínimos de depósito inicial e aplicações adicionais. A instituição possui fundos de investimentos com aplicação inicial a partir de R$ 50.