Título: Competitividade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2010, Opinião, p. A12
O governo federal lançou em maio um conjunto de medidas para melhorar a competitividade da economia brasileira, visando principalmente o fomento às exportações. Medidas de desoneração tributária, financiamento como as anunciadas são bem-vindas, mas não substituem a questão fundamental - a expressiva valorização cambial comparada às demais moedas.
Embora seja um preço fundamental da economia, a taxa de câmbio é, em geral de forma equivocada, relacionada apenas à remuneração dos exportadores, ou tratada como um ativo financeiro simplesmente. Na verdade, trata-se de um preço determinante para decisões de investimentos locais, financiamento das empresas, produção importações, entre outros.
Um dos mitos presentes na questão da competitividade é o de que é possível "compensar" a valorização do real relativamente às demais moedas com a redução de custos sistêmicos como tributários, burocráticos, logísticos etc., ou ainda com os ganhos de produtividade no âmbito das empresas.
Para adequar os diferentes níveis de competitividade, os países adotam, no bojo da sua política comercial, tarifas de importação e outros artifícios que, em tese, deveriam corrigir diferenças.
No entanto, estamos diante de um grave problema cambial, de ordem internacional, mas que no Brasil ganha contornos ainda mais dramáticos. No pós-crise a maioria das moedas se valorizou relativamente ao dólar americano, porém, com uma importante exceção que é a da moeda chinesa e, mais recentemente so euro. Estudos recentes realizados pelos economistas William R. Cline e John Williamson (*) apontam que, enquanto o real está sobrevalorizado em 15% em relação ao dólar americano, outros países, que competem com o Brasil, têm moedas desvalorizadas.
O yuan chinês, o caso mais gritante, está subvalorizado em 40% relativamente ao dólar. Ou seja, um produto chinês competindo no mercado doméstico brasileiro, ou com uma empresa brasileira no mercado internacional, leva uma vantagem inicial de pelo menos 66%, somente pelo aspecto cambial, sem considerar os demais fatores de competitividade, como custo de financiamento, carga tributária etc... que também lhe são favoráveis.
Reduzir o "custo Brasil" e melhorar a competitividade sistêmica é algo necessário para manter e ampliar a competitividade da produção brasileira. Isso também não dispensa as ações de aumento de produtividade das empresas, nem tampouco as atividades de inovação, o que deve sempre fazer parte de uma ampla política pública que fomente as estratégias empresariais nesse sentido.
Mas, embora imprescindível, isso não vai compensar o gravíssimo problema da perda de competitividade advindo da valorização do real. Trata-se aqui de problemas que, embora digam respeito à competitividade, são de naturezas distintas. Concorremos cada vez mais com países que têm melhores condições de competitividade tanto sistêmica, quanto das empresas, e que também adotam agressivas políticas comerciais e industriais. Adicionalmente, no caso mais flagrante da China, utilizam a política cambial e outros artifícios, como as práticas de dumping, nem sempre de fácil caracterização, para ganhar mercados.
Ignorar o grave problema da perda de competitividade derivada da valorização cambial e tentar enfrentar o jogo do mercado internacional em condições desfavoráveis representa para o Brasil abrir mão da industrialização conseguida a duras penas. O quadro atual de valorização nos tornará crescentemente dependente de produtos primários, em detrimento daqueles de maior valor agregado. Isso não vale apenas para a exportação, mas para a produção interna, que compete com os importados, e também para a atração para novos investimentos, uma vez que os países comparam custos de produção em dólares para cálculos de viabilidade e localização de seus novos projetos.
Também não adianta tentar transferir o problema para os outros países. O Brasil deve sim aproveitar o seu protagonismo internacional e continuar a interagir nos vários fóruns contra esse desequilíbrio cambial internacional. Mas deve, urgentemente, adaptar a política cambial doméstica para o novo cenário, algo que também torna imprescindível o aprimoramento da política monetária, que ainda mantém juros excessivamente elevados para padrões internacionais, e da política fiscal, principalmente que propicie um horizonte de sustentabilidade intertemporal das contas públicas.
Daí a inconsistência em tratar a taxa de câmbio apenas como ativo financeiro e deixá-la flutuar ao sabor do mercado, pois não se tratam de operações lastreadas apenas pelas demandas do setor produtivo. O que ocorre é que a volatilidade da cotação da taxa cambial se tornou instrumento poderoso de arbitragem no mercado financeiro, algo que não traz nenhum benefício ao país. Pelo contrário, a arbitragem entre juros, câmbio, bolsa de valores e outros mercados só potencializa a instabilidade, dificultando as decisões empresariais.
Isso implica um viés pró-importação, em detrimento da produção interna, além de um desestímulo à exportação, especialmente de bens manufaturados. Adicionalmente, ao encarecer o custo local de produção expresso em dólares, se transforma em um "convite" às empresas deslocarem sua base produtiva para o exterior.
Há quem argumente que países que recebem fluxos de capitais externos, como o Brasil, têm uma tendência estrutural à valorização da taxa de câmbio. Mas, em sendo assim, o que seria então da China, que recebe infinitamente mais capitais, assim como de outras economias, que não experimentam a mesma volatilidade do real ?
É preciso aperfeiçoar a política cambial fazendo uso de todos os instrumentos possíveis para diminuir a tendência à valorização, assim como dificultar as operações de arbitragem, que nada agregam ao país. Isso vai evitar que o crescimento econômico brasileiro seja interrompido no futuro, seja por carência de investimentos ou pelo aumento da vulnerabilidade das contas externas.
(*) "Notes on Equilibrium Exchange Rates: January 2010". Policy Brief . Peterson Institute for International Economics. Disponível em http://www.piie.com/publications
Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor da PUC-SP, doutor em economia pela Unicamp, foi presidente do Cofecon e da Sobeet e é co-autor, de "Economia Brasileira" (Saraiva).