Título: Marina e Zona Franca tiram votos de Serra
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2010, Especial, p. A10
Está no Amazonas o maior problema eleitoral do presidenciável tucano, o ex-governador paulista José Serra. Sem sequer contar com um candidato a governador que o apoie, Serra tem imagem negativa no Estado em função de sua histórica oposição à política de incentivos da Zona Franca de Manaus, uma dificuldade reconhecida mesmo pelos seus aliados no Estado. O resultado é medido em pesquisas locais de intenção de votos dos 2 milhões de eleitores do Amazonas, que mostram Serra empatado com a presidenciável do PV, a senadora Marina Silva (AC), e com cerca da metade da intenção de votos da petista Dilma Rousseff. Em Manaus, que representa 55% do eleitorado, Serra está em terceiro lugar.
Para piorar a situação tucana, o Amazonas começou a desenvolver uma recente tradição de ser uma fortaleza de votos ligados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2006, Lula obteve no Estado 87% dos votos no segundo turno, o maior índice proporcional do país. Em 2002, contra o próprio Serra, Lula conseguiu 69% do total. No primeiro turno daquela eleição, Serra ficou em terceiro no Estado, atrás de Anthony Garotinho, à época no PSB.
"É uma questão crônica, uma das mais graves desta sucessão. Estamos tentando há vários meses construir um palanque para que ele possa se defender de ser contra a Zona Franca de Manaus ou desestruturar a rede de apoios da Dilma. Não estamos conseguindo", comentou o presidente estadual do DEM, o ex-deputado federal Pauderney Avelino. O ex-deputado dispõe-se a ser o candidato serrista no Amazonas, mas a ideia não conta com a simpatia do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que disputa a reeleição.
"Pauderney é importante para conseguirmos ter um deputado federal. Podemos ter um candidato que cumpra uma função didática, para divulgar a aliança", afirmou o tucano. "Serra individualmente tem para presidente mais votos no Amazonas do que qualquer um de nós teria para governador. E deve crescer, quando o eleitorado que opta hoje por Marina Silva refluir. O fundamental é ele quebrar a imagem de ser contra a Zona Franca e isto ele já está fazendo", afirmou Virgílio, que em 2006, candidato a governador, teve 6% dos votos.
Concorrer como candidato ao Senado sem a companhia de um nome para o governo do Estado não é visto como prenúncio de derrota nem por Virgílio, nem por seus adversários. Ele se beneficia pelo fato de serem duas vagas ao Senado. "Tenho muitos apoios na base do governador Omar Aziz (PMN) e do senador Alfredo Nascimento (PR)", referindo-se aos dois protagonistas da disputa pelo governo estadual. "A eleição dele é perfeitamente possível, embora eu vá trabalhar contra isso. Em 2006, também me elegi ao Senado sem candidato a governador. Em 2002, o próprio Virgílio não apoiava ninguém para o governo", disse Nascimento.
A ameaça a Virgílio vem do ex-governador Eduardo Braga (PMDB), organizador da aliança de Aziz, que decidiu montar uma chapa com dois nomes fortes ao Senado: o dele próprio e o da deputada federal Vanessa Grazziotin (PCdoB). Na chapa de Nascimento, há dois candidatos de pouco peso ao Senado: a ex-reitora da Universidade Estadual do Amazonas Marilene Correa (PT) e o senador Jefferson Praia (PDT), que assumiu a vaga no ano retrasado, com a morte do senador Jefferson Péres. O vice na chapa de Alfredo, o ex-prefeito de Manaus Serafim Corrêa (PSB), é um aliado local de Virgílio. Nas pesquisas, Eduardo Braga aparece com o dobro das intenções de voto de Virgílio e Vanessa, virtualmente empatados.
Em abril, em uma entrevista a um canal local de TV, Serra prometeu tornar os incentivos da Zona Franca perenes. Pela legislação atual, eles caducam em 2013. Foi uma forma de se remeter à origem remota de seus problemas no Estado, que foi a polêmica na Assembleia Nacional Constituinte sobre o prazo de validade dos incentivos. A Zona Franca foi instalada em 1967, no governo do marechal Castello Branco, prevista para durar até 1997. Segundo relembram tanto aliados quanto adversários do tucano, Serra, então relator do capítulo tributário, teria se oposto à prorrogação dos benefícios da Zona Franca. Venceu a posição da bancada do Amazonas. A Zona Franca inicialmente foi prorrogada até 2003, e depois a 2013.
As cerca de 500 empresas instaladas no polo industrial incentivado de Manaus respondem por 90% do PIB do Estado. Quem atua no polo industrial do Amazonas conta com uma série de benefícios fiscais nos três níveis de poder, desde que cumpra um programa chamado hoje de processo produtivo básico (PPB), que prevê um determinado número de etapas da industrialização de algum produto que precisa ser inteiramente concluído em Manaus. Estes benefícios fiscais não podem ser compensados pelos demais Estados para uma série de produtos, como veículos de duas rodas, eletrodomésticos, relógios e outros.
Ao assumir o Ministério do Planejamento, José Serra entrou em atrito com o então governador do Amazonas, Amazonino Mendes, que estava no PFL, atual DEM. Não conseguiu, em um primeiro momento, substituir o então superintendente da Zona Franca, Manoel Rodrigues. Serra defendia mudanças radicais para a Zona Franca: gostaria de converter sua produção para a exportação e reduzir o espectro dos projetos incentivados. Entre 1995 e 1996, anos em que esteve no ministério, foram aprovados 104 projetos para implantação ou ampliação de processos produtivos. Pouco antes de sair da Pasta para concorrer à Prefeitura de São Paulo, Serra conseguiu trocar o superintendente por um assessor seu, o atual secretário da Fazenda de São Paulo, Mauro Ricardo Machado Costa. Entre 1997 e 1998, o total de projetos aprovados saltou para 217. Nos dois anos seguintes, com a Zona Franca já sob jurisdição do Ministério do Desenvolvimento, foram avalizados 302 projetos. Entre 2008 e 2009, o total de propostas aceitas foi de 530.
Como governador de São Paulo, Serra manteve a estratégia iniciada por seus antecessores Mário Covas e Geraldo Alckmin na tentativa de captar investimentos para o setor de informática e telefonia celular reduzindo o ICMS. Os governos paulistas conseguem impedir a derrota judicial no Supremo Tribunal Federal (STF), sempre em ações movidas pelos governos do Amazonas, revogando o benefício pouco antes da Justiça tomar uma decisão sobre o caso. Em seguida, reeditam a norma.
A elite empresarial está convencida que Serra não acabará com a Zona Franca. "Há que se entender que Serra foi prefeito e governador de São Paulo e defendeu os interesses do seu Estado. Isso não quer dizer, de forma alguma, que ele agirá assim se chegar à Presidência", comentou o diretor da Technos e presidente do Centro da Indústria do Amazonas (Cieam), Maurício Loureiro. Mas outros setores do eleitorado provavelmente pensam diferente. "Ele diz que não, mas falam que o Serra vai acabar com a Zona Franca. É o que comentam", afirmou o taxista Marcelo Frota, que faz ponto na entrada do Distrito Industrial. Ele se diz disposto a votar em Marina. (CF)