Título: Mercado espera Selic de 10,25%
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2010, Finanças, p. C1

Os recentes indicadores de atividade e inflação, mostrando arrefecimento, foram insuficientes para comover o mercado financeiro a respeito do rumo da taxa básica Selic. Analistas são unânimes em afirmar que os sinais de alívio são pontuais e que, por isso, o aperto monetário vai prosseguir em ritmo igual ou ainda mais forte do que o já adotado pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

De 31 economistas consultados, 29 preveem uma nova dose de alta de 0,75 ponto percentual na taxa Selic na reunião do comitê, que acontece terça e quarta-feira da próxima semana. Outros dois esperam um ajuste ainda mais intenso, de um ponto percentual.

O argumento é que, ainda que a inflação tenha desacelerado e a produção industrial tenha recuado 0,7% em abril em relação a março, o ambiente ainda é de crescimento forte, acima do chamado PIB potencial (crescimento que não gera inflação). E os principais pilares desse cenário são o mercado de trabalho forte e o crédito em expansão.

Bancos, corretoras e consultorias divergem quanto ao nível do juro básico em dezembro, mas poucos são os que esperam uma taxa Selic abaixo dos 12% ao final do ano.

"A desaceleração não significa que o crescimento já está alinhado ao que se poderia considerar como o ritmo não inflacionário", afirma Octávio de Barros, diretor do Departamento Econômico do Bradesco. Por isso, a instituição mantém a previsão de aumento de 0,75 ponto percentual na semana que vem.

"Olhando à frente, os fatores de estímulos continuam presentes. As taxas de juros ainda estão em patamar historicamente baixo, há elevada confiança de empresários e consumidores e, mais importante, o emprego e a renda apresentam robusta expansão", afirma Barros, acrescentando que os juros às pessoas físicas estão no nível mais baixo da série mesmo com o aumento da taxa Selic.

"Mesmo com indicações de acomodação do primeiro para o segundo trimestre, a economia cresce em ritmo forte e o segundo trimestre ainda será robusto. A inflação pode desacelerar, mas em função de itens específicos, como transportes e alimentos.

Os núcleos ainda apontam inflação acima da meta. Neste contexto, não há dúvida de que o Banco Central ainda elevará o juro por algum tempo", afirma Marcelo Carvalho, economista-chefe para Brasil do Morgan Stanley.

Em perspectiva, diz o economista, a crise europeia até pode ajudar o BC a desaquecer a economia brasileira, mas o cenário básico ainda é de efeitos modestos no crescimento do país.

"Projetamos o ciclo de aperto de 3 pontos percentuais neste ano e 1 ponto adicional no ano que vem. Esse 1 ponto é que pode ser questionável", afirma o economista do Morgan Stanley.

Octávio de Barros considera que, até o momento, os problemas na Europa apontam para uma perda moderada de PIB global, mas não para crise.

"Nesse sentido, a crise remove a possibilidade de, por exemplo, um passo maior do que 0,75 ponto", diz.

O J.P. Morganespera alta de 0,75 ponto atento ao arrefecimento dos dados domésticos, além da crise externa. Mas Fábio Akira, economista-chefe, alerta que os sinais de alívio não significam desaquecimento da atividade, mas desaceleração.

"Fomos um dos primeiros bancos a projetar expansão do PIB de 7% e esse crescimento embute perspectiva de arrefecimento porque a economia avançou em ritmo de 10% no primeiro trimestre. Expansão de 7% implica em moderação. Daí o fato de a queda da produção industrial em abril não surpreender", afirma Akira.

Para ele, a crise europeia é de baixo risco, como vem sendo colocado pelo BC. "Mas se o crescimento global esfriar e as commodities enfraquecerem mais, poderemos ter repercussão na inflação ainda que o câmbio fique pesado."

O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, considera que a decisão de política monetária da próxima semana acontece em um "momento delicado". Isso porque, diz ele, há argumentos que pesam a favor de um movimento mais brando por parte do Copom. Mas, acrescenta, esses números são apenas "a ponta do iceberg". "A base dessa montanha de gelo é o mercado de trabalho, que está muito aquecido e vai sustentar uma pressão por consumo forte nos próximos meses", afirma, lembrando que cerca de 8 0% dos dissídios de importantes categorias se concentram no segundo semestre. "Sem falar no reajuste dos aposentados, que se traduzirá em renda e consumo."

Já o economista da Votorantim Asset Management, Fernando Fix, considera que a crise europeia apenas diminui a necessidade de o Copom ser ainda mais conservador na reunião da próxima semana, mas não tira de cena um novo aperto de 0,75 ponto da Selic.

"Não fosse a crise fiscal da Europa, talvez o BC precisasse subir os juros em um ponto", afirma. "A economia ainda está aquecida pelos estímulos monetário e fiscal adotados em função da crise internacional e com nível de ociosidade muito baixo."

Para ele, o alívio da inflação que se observou nas últimas semanas era esperado e reflete fatores específicos, como o alívio dos preços de alimentos, que explodiram no início do ano.

"Mas essa queda não é suficiente para colocar a inflação de volta ao centro da meta, sem que haja uma ação firme do BC agora", conclui.