Título: Novas regras para bancos devem ser adiadas
Autor: Enrich , David
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2010, Finanças, p. C3

As autoridades internacionais de regulamentação estão perto de fechar um acordo que obrigaria os bancos a captar vastos montantes de novos recursos para se proteger de futuras perdas. Mas, em uma concessão ao setor bancário e a alguns governos, as regras provavelmente só devem passar a vigorar depois do prazo esperado, segundo pessoas a par do assunto.

Em meio aos escombros da crise bancária, autoridades e ministros econômicos têm corrido para redigir até o fim do ano as novas regras para capital e liquidez dos bancos ou os recursos disponíveis para as operações diárias das instituições. O objetivo era que as regras, que têm o objetivo de promover um sistema bancário mais conservador e menos vulnerável a crises, começassem a vigorar mundialmente a partir de 2012.

Mas está emergindo um consenso de que é preciso haver uma implementação mais gradual, que pode demorar vários anos além de 2012. Os bancos e alguns governos, especialmente os do Japão, Alemanha e França, têm pressionado por uma implementação mais gradual, sob o argumento de que o prazo atual pode causar escassez multibilionária de recursos num momento em que boa parte do setor bancário provavelmente ainda estará fragilizada.

Há muita coisa em jogo. Dirigentes da iniciativa privada e de governos acreditam que uma reforma da regulamentação, que deve estar no cerne da reunião do G-20 na Coreia do Sul neste fim de semana, terá consequências maiores para bancos e a economia mundial do que as mudanças que estão tomando forma em Washington. Outros detalhes cruciais continuam sem solução, como as disputas sobre que tipo de recursos os bancos poderão contabilizar para cumprir as exigências maiores de capital e liquidez.

Executivos do setor bancário, às vezes com o apoio de seus governos, estão conduzindo uma campanha intensa de lobby para diluir partes das chamadas propostas da Basileia, conhecidas assim por causa da cidade suíça onde esses acordos tradicionalmente são negociados. Analistas preveem que as mudanças - mesmo que sejam relaxadas para incorporar as sugestões dos bancos - possam reduzir em até dois dígitos os lucros do setor.

Os bancos têm tentando usar seu papel central nas economias para pressionar as autoridades a suavizar as mudanças. Eles argumentam que as novas exigências de capital e liquidez são tão onerosas que forçarão os bancos a coibir o já esparso crédito, o que pode colocar em risco a frágil recuperação da economia mundial. Eles também têm insistido que precisam de mais tempo para se ajustar às novas regras.

"Como um todo, as propostas inevitavelmente vão diminuir a disponibilidade de crédito, aumentar o custo dos financiamentos e reduzir o crescimento econômico", alertou o tesoureiro do Bank of America numa carta ao comitê da Basileia em 16 de abril. A carta considerou o prazo de implementação de dois anos "breve demais diante do presente estado da economia e da magnitude das mudanças".

De acordo com o processo de definição das regras, os bancos já realizaram este ano estudos para antecipar o provável impacto das propostas em seus níveis de liquidez e capitalização. Os bancos apresentaram suas conclusões às autoridades de cada país, que compilaram os dados e encaminharam recentemente suas próprias conclusões à comissão encarregada de redigir as novas regras. Os resultados devem ser discutidos mês que vem na Suíça.

Os dados mostram que os bancos de todo o mundo enfrentarão escassez de capital e liquidez se a proposta for aprovada, segundo autoridades e executivos que foram informados dos resultados. Na Europa, executivos do setor bancário dizem que provavelmente existe uma diferença de 1 trilhão (US$ 1,2 trilhão) entre as atuais reservas de capital e de liquidez e o que seria exigido por um novo acordo da Basileia.

Nas negociações com os bancos, algumas autoridades de governo expressaram desconfiança das descobertas dos bancos, argumentando que o setor têm incentivos para ser pessimista demais. Mas as autoridades também acreditam que os rombos de capital e liquidez podem ser grandes demais para os bancos preencherem rapidamente, disseram pessoas a par da questão.

Essas convicções se consolidaram no último mês, enquanto investidores avessos ao risco fugiram dos bancos europeus por causa dos temores relacionados à crise crescente com as dívidas soberanas. Mesmo sem as novas regras, os bancos europeus ainda enfrentam o desafio de rolar cerca de 800 bilhões em dívidas que vencem até o fim de 2012, segundo o Banco Central Europeu (BCE).

O resultado é que começa a surgir em vários países um consenso amplo de que é preciso introduzir as regras gradualmente, em vez de até o fim de 2012, como o comitê da Basileia propôs em dezembro, quando anunciou as propostas.

Alemanha, França e Japão pressionaram por uma janela de até dez anos antes que as regras comecem a vigorar totalmente, e autoridades dos Estados Unidos e do Reino Unido indicaram recentemente que apoiariam um cronograma gradual, segundo pessoas a par da questão.

"Estou perfeitamente confortável em negociar um período de transição razoável que deixe as pessoas mais confortáveis com a ideia de que podem conviver com esses novos padrões", disse quarta-feira o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, em Washington, antes de partir para a reunião do G-20.

Autoridades dos Estados Unidos e da União Europeia já aceitaram adiar as regras que obrigariam os bancos a contar com reservas de capital mais polpudas para protegê-los dos prejuízos de suas operações no mercado. Essas regras, parte do acordo da Basileia assinado em 2009, deveriam entrar em vigor este ano.

Mas, depois da reunião de 12 de maio entre Geithner e o comissário europeu Michel Barnier, o Tesouro dos Estados Unidos divulgou um comunicado notando que "iria trabalhar para uma implementação conjunta em 2011 das regras da Basileia para as reservas das operações" dos bancos. Autoridades do setor dizem que os europeus aceitaram adiar as regras por pressão dos EUA, que temiam o impacto nos bancos de investimentos americanos.

A abordagem gradual tem seus riscos. Uma versão anterior do acordo da Basileia, que deveria ter sido implementada em 2004, foi assolada por reclamações de que certos países, como os EUA, não estavam obrigando seus bancos a cumpri-las.

Se o prazo for mesmo adiado, alguns bancos continuarão operando com reservas e colchões de liquidez menores, o que pode deixá-los expostos a novas crises. Algumas autoridades de regulamentação temem nos bastidores que as regras possam ser adiadas ou enfraquecidas ainda mais se não forem implantadas enquanto a lembrança da atual crise ainda está forte.