Título: Os extremos da crise
Autor: Pavini , Angelo
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2010, EU & Investimentos, p. D1
A crise que desabou sobre os mercados por conta das dificuldades da Grécia e de outros países europeus derrubou a maioria das ações da Bovespa, fazendo o índice cair 6,79% do início de maio até quarta-feira. Mas alguns papéis não só sobreviveram como ainda conseguiram um retorno razoável.
Na lista das empresas que remaram contra a maré aparecem muitas de telefonia. O setor vem sendo agitado por movimentos de fusões e aquisições - Telefônica e Vivo, Oi/Telemar e Brasil Telecom - que acabam valorizando todas as empresas. Telemar ordinária (ON, com voto) lidera a alta no período, com 22,84%, seguida de TIM Participações ON, com 19,67% (ver quadro).
Além de telefonia, foram bem na crise setores ligados ao mercado interno. É o caso da construtora Rossi Residencial, que sobe 5,81% do início de maio até quarta-feira. Aparece ainda a BM&FBovespa, com ganho de 5,31%, Sabesp, com alta de 3,65%, e CPFL, valorização de 3,34% no período. O segmento de alimentos e bebidas aparece com AmBev, 3,07%, e BR Foods, 2,64%. A força dessas empresas reside no bom desempenho da economia brasileira neste ano.
Quem vai mal são as empresas de commodities, afetadas pela incerteza externa e pelas vendas de estrangeiros. Já a empresa de varejo B2W sofreu pela necessidade de um fundo de investimentos alavancado vender suas ações.
Apesar de a crise dar sinais de que ainda vai demorar a passar, a maioria dos analistas ainda não vê necessidade de mudar as projeções otimistas para o mercado brasileiro. "Não existe risco sistêmico a ponto de influenciar a economia real e o faturamento das empresas para mudar a avaliação das companhias", diz Marco Melo, analista-chefe da corretora Ágora.
O problema, diz, é que o mercado depende do fluxo de recursos, especialmente de estrangeiros, que neste ano já tiraram R$ 3,503 bilhões, até dia 27 de maio. Com isso, as projeções para o Índice Bovespa na casa dos 92 mil pontos ficam mais difíceis. "Mas 81 mil pontos, como nós trabalhamos, fica mais perto, apesar de também não ser fácil, afinal, a diferença é de 28,68%", diz o analista. Para ele, talvez nos próximos dois ou três meses, essa visão possa mudar. "Mas em termos de múltiplos, o Brasil está bem posicionado, com o lucro das empresas crescendo 23% em média neste ano."
A instabilidade dos preços, porém, cresceu muito, e isso pode realimentar as oscilações, de até 2 mil pontos por dia, observa Melo. "Mas a sugestão para quem tem uma boa carteira de investimentos é manter de 30% a 35% em ações de boa qualidade", diz. Quem quiser dar tiros mais curtos precisará tomar mais cuidado e usar limites de oscilação mais apertados. O retorno em dividendos também melhorou com a queda dos preços das ações. A média do mercado brasileiro está hoje em 4% ao ano, para 2,7% da média mundial.
A bolsa pode tropeçar no curto prazo, mas a tendência do mercado acionário brasileiro é positiva, ressalta Walter Mendes, superintendente de renda variável do Itaú Unibanco. O mercado vive uma típica crise de confiança, avalia, alimentada por temores de que os países europeus não consigam cortar gastos. "O ajuste fiscal é difícil, mas não é impossível", afirma Mendes. "Aos poucos a confiança vai sendo retomada, mas não há uma data para isso ocorrer."
Ele compara a dinâmica atual com o início de 2009. Wall Street ignorou a aprovação do pacote de socorro ao sistema financeiro pelo Congresso, em dezembro de 2008, e seguiu em queda, atingindo o ponto mais baixo em março do ano passado. Ou seja, houve um intervalo entre a ação dos governos e a reação dos mercados.
No caso da crise do euro, a desconfiança é acentuada pela própria hesitação e demora da União Europeia e do Banco Central Europeu (BCE) em socorrer a Grécia. "Mas os cortes de gastos serão feitos e o Banco Central vai oferecer liquidez", afirma Mendes. "Ninguém vai querer um novo Lehman (Brothers, banco que quebrou e iniciou a crise de 2008) e isso não vai acontecer", diz.
Mendes também lembra que, apesar dos problemas na zona do euro, a economia global retoma o crescimento, com a recuperação da locomotiva americana, o avanço da China e a robustez da Alemanha. "O contágio da crise sobre a economia real é baixo."
Além da aversão ao risco, a bolsa brasileira está sendo prejudicada pela expectativa das ofertas de ações do Banco do Brasil e da Petrobras, que podem absorver juntas dezenas de bilhões de reais. Os fundos estrangeiros venderam parcela de suas aplicação no Brasil, reservando espaço para as ofertas. "Isso atrapalha um pouco, mas a perspectiva é positiva", dia Mendes. "O Ibovespa pode chegar ao fim do ano aos 75 mil ou 80 mil pontos", afirma.
Ele lembra que as megaofertas também atrapalham os IPOs de outras companhias, ainda mais perto das férias de verão do Hemisfério Norte, em agosto.
A Bradesco Corretora também não reviu sua projeção para o Ibovespa, de 81 mil pontos, diz Carlos Firetti, analista-chefe da instituição. "Reconhecemos que a crise deverá retardar a recuperação da Europa, ou mesmo levar a um novo mergulho", afirma. "Mas uma crise com centro na Europa é menor que uma com centro nos Estados Unidos, como em 2008." Além disso, diz Firetti, a recuperação americana parece consistente e não deve ser revertida pela crise da Europa. Ele também não espera impactos na China e vê a economia brasileira crescendo forte e menos exposta à crise em 2008.