Título: EUA ameaçam Brasil por ação contra sanção ao Irã
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2010, Internacional, p. A12
A atuação brasileira no Conselho de Segurança da ONU contra a aplicação de sanções ao Irã deve prejudicar a relação do Brasil com os Estados Unidos, alertaram autoridades do governo americano aos principais interlocutores no governo brasileiro. Os EUA tentaram insistentemente demover o Brasil de levar a debate na ONU o projeto de sanções. O debate foi realizado ontem de manhã, por pressão das diplomacias brasileira e turca. Ontem, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que o Brasil acatará a resolução sobre sanções, apesar de considerá-las um entrave a um acordo com o Irã.
Amorim desdenhou o risco de afastamento entre Brasil e EUA. "Já tivemos discordâncias antes, na questão comercial, e não nos impediu de cooperarmos", comentou, lembrando os atritos na Organização Mundial de Comércio. Ele reconheceu a possibilidade de "um pequeno custo" para as relações entre os dois países, mas disse não acreditar na hipótese. "Não conheço país grande que não tenha tido discordâncias com os EUA, talvez a exceção seja a Inglaterra."
Em reforço às declarações de Amorim, apesar das ameaças feitas pelo governo dos EUA em conversas reservadas, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, declarou ver ainda papel para Turquia e Brasil nas negociações com o Irã. Amorim, porém, se mostrou pouco disposto a continuar servindo de intermediário e disse não ver condições de negociação tão cedo, dadas as reações irritadas do governo iraniano.
"Sob sanções, as condições de o Irã vir a negociar são muito menores", avalia o ministro. "Se a pergunta é se Turquia e Brasil vão trabalhar por um acordo com o Irã, minha resposta é: não sei", disse, antes de apresentar uma lista de razões para pessimismo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em viagem ao Nordeste, classificou de "vitória de Pirro" (prejudicial ao vencedor) a aprovação da sanções.
Lula informou que, antes de decidir votar contra as sanções, conversou de manhã com o premiê da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e ambos concluíram que teriam de ser coerentes com o acordo firmado pelos dois com o presidente iraniano, Mahmmoud Ahmadinejad, para permitir a troca de urânio do Irã por urânio levemente enriquecido fora do país.
O acordo, descrito por Amorim como uma "porta para negociação" de medidas mais claras de transparência para o programa nuclear iraniano, foi rejeitado pelos EUA e por países europeus, que viram nele uma tentativa iraniana de ganhar tempo enquanto avança no desenvolvimento de armas nucleares.
"Demos uma chance aos países do Conselho de Segurança de negociar, e eles provaram que não queriam negociar", acusou Lula, dizendo esperar "que o companheiro Ahmadinejad continue tranquilo". Uma autoridade importante do governo, ao ser consultada sobre a disposição brasileira de continuar nas negociações com Irã, lembrou o ditado "quem pariu Mateus que o embale". O governo brasileiro avalia que as novas sanções tornaram mais longínquo qualquer cordo com o Irã.
Amorim insinuou que a aprovação das sanções desmoraliza os argumentos dos EUA e europeus contra o acordo patrocinado por Brasil e Turquia. Europeus e americanos argumentaram que o acordo só permitiria ao Irã ganhar tempo para avançar em seu suposto programa clandestino. As sanções reforçarão os radicais e não haverá condições de negociação antes de, talvez, dez meses, diz Amorim.
O chanceler brasileiro criticou o governo dos EUA e disse que Brasil e Turquia seguiram "de boa fé", no acordo com o Irã, passo a passo, o "roteiro" apresentado pelos EUA como necessário para garantir credibilidade ao Irã na mesa de negociações. "Nos estimularam a seguir, talvez porque não acreditassem que conseguiríamos", ironizou.