Título: Um PIB para comemorar e também corrigir rumos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2010, Opinião, p. A14
O festejado resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre deste ano é realmente motivo de comemoração, mas também de alerta. Os números confirmam que o Brasil deixou para trás os problemas criados pela crise internacional e já pode voltar a enfrentar suas velhas mazelas, notadamente as limitações para o crescimento sustentável, que o levam a recorrer ao velho e bastante usado freio da elevação dos juros básicos, acionado novamente ontem na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).
Superar as barreiras para o crescimento econômico com aumento da renda é, na verdade, um bom problema em comparação com as dificuldades que assolam boa parte do resto do mundo, ainda às voltas com graves sequelas da crise financeira internacional.
Afinal, o Brasil exibiu no primeiro trimestre uma das maiores taxas de crescimento econômico do mundo, ficando atrás apenas de Tailândia, Filipinas e China. O PIB brasileiro cresceu 2,7% no primeiro trimestre sobre o último trimestre de 2009 e 9% sobre igual período do ano passado. Ficaram à frente a Tailândia, com 3,8%; as Filipinas com 3%; e a China com 2,85%.
Os países situados no epicentro da turbulência financeira tiveram comportamento muito ruim no primeiro trimestre. O PIB dos Estados Unidos cresceu 0,8%; o do Reino Unido, 0,3%; na zona do euro, o crescimento de 0,2% está mais próximo de uma estagnação.
O desempenho do PIB brasileiro no primeiro trimestre sinaliza um resultado anualizado de 11,24%. Mas esse padrão chinês não deve se manter no resto do ano porque já há sinais de que o ritmo de crescimento está diminuindo, entre outros motivos por causa da elevação dos juros. Depois dos resultados do primeiro trimestre, as consultorias refizeram as contas e passaram a estimar um crescimento que ainda pode ser considerado exuberante, qualquer que seja o ângulo examinado. As previsões, que estavam na casa dos 6%, subiram para além de 7% e chegaram até 7,8%.
Com números desse calibre, tornou-se inevitável a renovada preocupação com o aumento da inflação, que pode extrapolar o centro da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 4,5%, dadas as limitações visualizadas nos números do PIB.
Estimulada pelos incentivos monetários e fiscais criados pelo governo durante a crise, a demanda doméstica, que compreende o consumo das famílias, gastos do governo e investimento, puxou a expansão da atividade econômica no primeiro trimestre e praticamente acabou com a capacidade ociosa da economia neste início de ano. Daí a preocupação de que mais crescimento causará pressão inflacionária.
Alguns estímulos já foram parcialmente retirados e outros ainda estão em processo de retorno à normalidade. Por isso, já há sinais de desaceleração do crescimento no segundo trimestre, como a redução do licenciamento de veículos e da fabricação de papelão.
Mas a incógnita é o segundo semestre, normalmente mais aquecido por motivos sazonais como pagamento do 13º salário e as festas de fim de ano. Além disso, o mercado de trabalho continua forte e a confiança dos empresários e dos consumidores mantém-se em patamar elevado. Contrabalança esse sentimento a deterioração nas economias da região do euro que pode inibir o crescimento da economia mundial.
Um destaque dos números do primeiro trimestre, que alimenta a esperança de que a defasagem entre demanda e oferta pode diminuir, foi o aumento do investimento, que atingiu 18% do PIB. A taxa de investimento, que representa a relação entre a formação bruta do capital fixo (FBCF) e o PIB, apresentou um número bastante superior aos 17,1% do trimestre anterior e aos 16,1% do fundo do poço do primeiro trimestre de 2009. Mas ainda está abaixo do "pico" de 19,2% atingido no terceiro trimestre de 2008 e distante dos mais de 21% considerados necessários para que o Brasil sustente um crescimento superior a 5%.
A FBCF - que compreende o investimento em máquinas, equipamentos e bens imóveis - registrou uma expansão de 7,4% sobre o quarto trimestre, feito o ajuste sazonal, e de 26% sobre igual período de 2009. Foi o terceiro trimestre consecutivo em que o investimento cresceu bastante acima do PIB.
O aumento dos investimentos não foi suficiente para quebrar a limitação da capacidade instalada da indústria brasileira, que é uma das restrições para se crescer com a inflação sob controle.