Título: G-20 e a economia real: o que está em jogo
Autor: Somavia, Juan
Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2010, Opinião, p. 27

Diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Na reunião de cúpula dos líderes do G-20 em Toronto, nesta semana, experimentamos, novamente, um momento crítico. Com uma recuperação econômica muito frágil, o desemprego global está em seu nível mais alto ¿ atinge mais de 210 milhões de pessoas. Vamos precisar criar 470 milhões de empregos nos próximos 10 anos para absorver os que chegarem aos mercados de trabalho. O desemprego dos jovens atingiu níveis inaceitáveis. Os ganhos na redução do número de trabalhadores pobres vivendo com menos de US$ 1,25 por pessoa por dia está em reversão. A economia informal e o trabalho vulneráveis estão aumentando.

Percepções de injustiça social ¿ vista principalmente como um problema do mundo em desenvolvimento ¿ estão se espalhando rapidamente em muitos países desenvolvidos. Tensões e conflitos sociais estão aumentando na forma de protestos públicos contra medidas de austeridade e de emprego.

Ainda há tempo para reverter essa situação. Mas nós temos que fazer as escolhas certas. Até oito semanas atrás, o Consenso de Pittsburgh ¿ decisões tomadas pela cúpula do

G-20 nessa cidade, em setembro do ano passado ¿ era apontada como a abordagem correta para a crise a colocação de empregos de qualidade no centro da recuperação econômica.

De repente, porém, o acordo sobre essa estratégia econômica e social tem estado sob pressão. Preocupações com a crise da dívida soberana e deficits crescentes na Europa levaram às decisões de corte nos gastos sociais, move-se para aumentar os impostos e adotar medidas de austeridade significativa. A história mostra que fazer isso pode comprometer muito a recuperação que estamos tentando alcançar. E também sabemos que essas medidas poderão abrandar a recuperação no curto prazo.

Essas preocupações dominaram os debates na recém-concluída Conferência Internacional do Trabalho, a reunião anual da OIT. A conferência é um encontro único de mais de 4 mil representantes de governos, empregadores e trabalhadores ¿ representantes da economia real. Suas vozes manifestaram preocupação, medo e frustração com a evolução da resposta à crise, e a possibilidade de que mesmo os magros resultados obtidos até agora na recuperação econômica podem ser perdidos em termos de criação de empregos, apoio às empresas e aos desempregados.

Suas expectativas podem ser resumidas nos seguintes pontos. Em primeiro lugar, precisamos de uma estratégia de convergência política equilibrada, que proteja e promova os investimentos produtivos e o crescimento de empregos de qualidade de uma maneira fiscalmente responsável.

Em segundo lugar, precisamos de crescimento que gere empregos decentes. Isso significa construir mais sobre os compromissos de Pittsburgh de ¿colocar emprego de qualidade no centro da recuperação¿.

Em terceiro lugar, temos de nos certificar de que as pessoas ¿ especialmente os jovens trabalhadores ¿ têm as qualificações necessárias para ocupar os empregos que são criados.

Em quarto lugar, a criação de emprego deve ser uma meta orientada para os governos ao lado de uma inflação baixa, de políticas orçamentárias sólidas e outros objetivos macroeconômicos.

Em quinto lugar, e muito importante, precisamos de um sistema financeiro que funcione para a economia real, não o contrário.

O crescimento global deverá atingir cerca de 4% este ano, mas o que importa para o trabalhador que não consegue emprego ou tem uma proteção social fraca em tempos de crise? E as pequenas empresas que têm dificuldade de acesso ao crédito e não podem beneficiar-se da recuperação econômica? Essas são questões que devem ser respondidas.

A principal conclusão é a de que a única maneira sustentável de sair da crise é a reativação da economia real, criando mais empregos e, consequentemente, aumentando as receitas dos governos. Ao mesmo tempo, certamente teremos que abordar a questão do deficit fiscal e da dívida pública, que exige a médio e longo prazos soluções sustentáveis. Mas temos de começar agora. Países, de acordo com suas circunstâncias, podem formular estratégias exitosas, equilibradas e graduais a partir das medidas de estímulo que resgataram a economia global a partir de uma recessão ainda mais profunda, e que salvaram dezenas de milhões de empregos desde o início da crise.

Devo expressar o forte apoio dos constituintes da OIT para as responsabilidades que o G-20 decidiu assumir e, consequentemente, as difíceis tarefas que tem pela frente. A mensagem que vem delas é a importância do diálogo social e político, nacional e internacionalmente, para encontrar o equilíbrio certo das políticas necessárias para lidar com todas essas questões. O que está em jogo é o futuro da economia real.