Título: O Brasil na arbitragem internacional
Autor: Mauricio G. Santos e Quinn Smith
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2010, Legislação e Tributos, p. E2

Considerando o estável e sólido crescimento da arbitragem no Brasil nos últimos anos, pergunta-se hoje qual a importância deste fenômeno nas relações comerciais entre empresas brasileiras e investidores estrangeiros. O poder de barganha parece começar a pesar em favor de empresas brasileiras em razão das mudanças que hoje acontecem no mundo da arbitragem.

Há 15 anos, a arbitragem quase não existia no Brasil. Quando empresas brasileiras eram chamadas a pactuar acordos de arbitragem ou resolver conflitos por arbitragem, a quase totalidade se via diante de três únicas opções: Paris, Londres ou Nova York. Os árbitros, assim como os respectivos advogados, eram essencialmente norte-americanos e europeus, e o idioma utilizado se restringia ao inglês ou francês. Portanto, disputas com partes brasileiras eram processadas, discutidas e resolvidas em um ambiente basicamente europeu ou norte-americano. Fatores recentes estão alterando este cenário.

Primeiro, o Brasil adotou moderna legislação em consonância com os principais diplomas internacionais. Em segundo lugar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem demonstrando adequado conhecimento sobre as características da arbitragem internacional, o que tem trazido previsibilidade às decisões em matéria de arbitragem e elevado a reputação do país. Tal quadro revela um incremento na segurança jurídica, criando um consequente entusiasmo do investidor estrangeiro. Paulatinamente, constata-se não só um aumento no número de arbitragens, mas uma maior presença de componente brasileiro nas arbitragens internacionais; como por exemplo, maior atuação de árbitros e advogados brasileiros e um crescente número de arbitragens internacionais administradas por câmaras brasileiras.

Agora profissionais e empresários no mundo de arbitragem estão notando substanciais diferenças. As empresas brasileiras começam a experimentar uma posição mais sólida o que lhes têm permitido inserir - ou barganhar por - cláusulas de arbitragem que lhe soam mais favoráveis ou equânimes na seara internacional. Uma arbitragem no passado processada em Nova York, hoje está ocorrendo em São Paulo, Santiago, Miami, dentre outras localidades até então tidas como marginais. Empresas brasileiras têm podido discutir e insistir na aplicação da lei brasileira para resolver o mérito da controvérsia sem que isso soe como algo impertinente ou mesmo exótico.

Como revelado recentemente pela revista inglesa "Global Arbitration Review", o ambiente legal brasileiro tem sido visto como favorável para investimentos estrangeiros. O Brasil, capitaneado pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar), por um crescente número de advogados com experiência em arbitragem internacional e um Judiciário pró-arbitral, tem criado um cenário positivo e convergente para sediar arbitragens que até pouco tempo era impensável.

Estatísticas e exemplos concretos corroboram tais percepções. A instituição de arbitragem internacional mais usada no Brasil é a Câmara de Comercio Internacional (CCI). Além de brasileiros estarem dentre os usuários mais frequentes em todo o globo, em 2007, 12% dos árbitros escolhidos pela CCI provieram das Américas. À exceção dos Estados Unidos, o Brasil contou com mais advogados nomeados como árbitros do que todos os demais países. De igual forma, o Centro Internacional de Resolução de Conflitos, braço internacional da Associação Americana de Arbitragem, vem experimentando aumento frequente e constante de partes brasileiras em seu portfolio.

Escritórios e profissionais de outros países estão notando esta mudança e buscam adaptar-se à nova realidade. Grandes e tradicionais escritórios da Europa e Estados Unidos têm contratado mais brasileiros como advogados e consultores, enquanto os respectivos sócios revelam crescente interesse por aprender o português para se comunicarem melhor com seus clientes brasileiros ou participar como árbitros em processos em que o idioma escolhido - ou determinado - seja o português.

Por sua vez, escritórios brasileiros dispõem cada vez mais de um maior contingente de advogados com dedicação exclusiva à arbitragem, enquanto que câmaras arbitrais brasileiras, a exemplo do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), têm administrado um crescente número de arbitragens com partes estrangeiras ou subsidiárias brasileiras de empresas estrangeiras. Esta tendência também tem sido percebida por outros centros congêneres, como a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (Ciesp), Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb), Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná (Arbitac). Aliás, em função desta realidade, os autores, em conjunto com a Florida International University acabam de lançar uma pesquisa para ouvir as principais instituições arbitrais da América Latina sobre o movimento de arbitragens, número de casos internacionais, sede e idioma utilizado.

Por fim, um interessante debate parece ganhar força quanto à necessidade de investidores e profissionais brasileiros buscarem cada vez mais as proteções da arbitragem internacional para seus investimentos no exterior. O Brasil não faz parte da Convenção de Washington sobre resolução de disputas entre investidores e Estados e ainda não ratificou tratado bilateral de investimento. A reboque dos problemas sofridos pela Argentina pela crise de 2001, somado ao ingresso de investimentos no Brasil, pouco incentivo tinha o Brasil em assinar tratados prevendo o uso da arbitragem no campo dos investimentos internacionais. No entanto, com a normal participação de empresas brasileiras no exterior, o vento parece começar a soprar para outra direção. Momentaneamente, o Brasil estuda firmar com o Chile e México, tratados bilaterais de investimento, nos quais há expressa previsão à arbitragem como método de resolução de conflitos. A pujança da economia brasileira e solidez das instituições está repercutindo favoravelmente no campo da arbitragem internacional. Vislumbramos uma nova fase da arbitragem no Brasil, não apenas com o puro e simples aumento de casos, mas pela sofistificação de partes, advogados e árbitros brasileiros. A prova disso foi a escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar entre 24 e 26 de maio o congresso, com número recorde de inscritos, do "International Council for Commercial Arbitration (ICCA)", tido como o maior evento de arbitragem no mundo, realizado pela primeira vez na América Latina.