Título: Euro corre risco de fracasso
Autor: Lozardo , Ernesto
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2010, Opinião, p. A15

A crise fiscal grega deu início à segunda fase da crise financeira internacional neste começo de século. A Grécia é um país pequeno, equivalente ao estado de São Paulo, mas sem o dinamismo econômico paulista. Representa 2,5% do total das economias que integram a zona do euro. A má governança fiscal grega tornou-se o pivô da crise financeira na zona do euro. Na globalização, não importa o tamanho de uma economia: qualquer descarrilamento econômico de uma gera engavetamento de muitas outras.

Diferentemente da matemática, em política econômica, a ordem dos fatores altera o produto final. O euro corre o risco do fracasso por conta da inversão de prioridades desde a fase da sua implementação.

Há pelo menos seis aspectos que inviabilizam o futuro do euro: 1) desde o início, mantiveram-se diferentes cargas tributárias e distintas alíquotas do mesmo produto entre os países da região; 2) após 2002, agravou-se o desequilíbrio fiscal; 3) o endividamento público é elevado; 4) o nível de produtividade da economia europeia é baixo em relação ao dos Estados Unidos; 5) as economias da região não são complementares; 6) a região é pouco aberta ao comércio global. Na presença desses desacertos macroeconômicos, a moeda única engessou o crescimento e a prosperidade europeia e desequilibraram o poder de compra da moeda entre os países-membros.

Isso provoca deslocamento da produção, do capital e da mão de obra para regiões onde a relação custo-benefício seja mais favorável. Vamos averiguar de forma sucinta cada um dos fatores apontados e avaliar as perspectivas da prosperidade regional no regime de moeda única.

A carga tributária varia entre 25% e 39% do PIB entre os países da região. São maiores as diferenças do nível dos impostos sobre a renda das pessoas e sobre o lucro das empresas da comunidade europeia. Os impostos sobre a renda variam de 19% a 48% entre países. Uma tributação menor significa maior renda disponível. Se o nível de inflação for equivalente entre países, o maior poder de compra da moeda estará onde os impostos forem menores.

O mesmo acontece com os impostos sobre o lucro das empresas. Na região, esses impostos variam entre 19,5% e 36%. Nos países da Europa Central e Leste Europeu, eles estão em torno de 19,5%; na Alemanha, 36%; na média entre os 15 países que originaram a União Europeia, em torno de 28,5%. A existência de diferença de imposto entre países em uma mesma região, com mobilidade de fatores econômicos, não significa guerra fiscal, mas uma maior propensão ao deslocamento de empresas, investimentos e mão de obra para regiões de menor carga e menor nível de tributação.

Em 1992, com o Tratado de Maastricht, apesar das discrepâncias tributárias e fiscais e dos diferentes níveis de inflação na região, criaram-se critérios para a entrada de países no sistema europeu de moeda única: manter durante os últimos cinco anos taxa média anual de inflação em 3%; apresentar, para o mesmo período, déficit público orçamentário em 3% e dívida pública em 60% do PIB.

Os países da zona do euro ajustaram-se a esses requisitos, mas não os cumpriram logo em seguida. Em 2009, esses países apresentaram déficit público em torno de 6,3% do PIB. A Alemanha atingiu 3,3%, a Itália 5,2%, a França 7,6%, Portugal 9,4%, a Espanha 11,2% e a Grécia 13,5% do PIB, respectivamente. A dívida pública na região do euro está em torno de 97% do PIB, quando a meta é 60%. Esse descontrole fiscal enfraquece o poder de compra dos europeus. A dívida da Alemanha está em 84%, a da Itália em 135%, França 99%, Portugal 99%, Espanha 78% e Grécia 139% do PIB.

A regra monetária e fiscal de Maastricht objetivara equilibrar as contas públicas, ordenar as discrepâncias tributárias e acelerar o processo de convergência econômica entre países. O euro, além de ter o objetivo político de integração, almejou eliminar o risco cambial na região. Caso todos os ingredientes econômicos, fiscais e tributários estivessem presentes no momento da integração monetária, em janeiro de 2002, a única forma de se obter crescimento seria por meio de ganhos de produtividade, maior inserção global, ganhos crescentes da renda por habitante, investimentos públicos e privados crescentes e maior volume de crédito entre os países da região. Há décadas que a produtividade dos europeus está 40% abaixo da dos norte-americanos; as taxas de crescimento da renda por habitante e do crédito estagnaram; os investimentos públicos declinam. Diante disso, o sistema de moeda única dificulta a ação dos instrumentos amortecedores de política econômica anticíclica.

Apesar do risco do fracasso do euro ser uma realidade, no momento, o que mais importa é impedir uma crise generalizada na região. O pacote fiscal europeu de US$ 1 trilhão não será suficiente para resgatar a economia europeia. Necessário será formular um novo arranjo institucional que possibilite a coordenação das instabilidades fiscais e financeiras que estarão presentes na região: a criação do Fundo Monetário Europeu.