Título: Na convenção, Serra molda contundência que usará na TV
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2010, Política, p. A9

No mais contundente discurso político desde o início da pré-campanha à Presidência da República, José Serra foi oficializado candidato do PSDB acusando o governo de desdenhar a democracia, menosprezar o Estado de Direito, intimidar a imprensa, sustentar "organizações pelegas" e tentar aniquilar a oposição "pelo uso maciço do aparelho e das finanças do Estado". Os adversários foram classificados de "neo-corruptos".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi comparado a Luis XIV, o "Rei Sol", monarca absolutista da França, que reinou de 1643 a 1715. "O tempo dos chefes de governo que acreditavam personificar o Estado ficou pra trás há mais de 300 anos. Luis XIV achava que o Estado era ele. Nas democracias e no Brasil, não há lugar para luíses assim", afirmou.

Serra falava não para o público da convenção em Salvador, em sua maioria militantes recrutados, que ouviam e balançavam bandeiras do PSDB sem entusiasmo. Para esses, a relação entre os "luíses" passou praticamente despercebida. Serra falava para o telespectador do programa partidário, para o qual o modelo da convenção foi idealizado.

Sem citar Dilma Rousseff nominalmente, Serra criticou a adversária -que nunca disputou qualquer eleição- lembrando ter recebido 80 milhões de votos em sua carreira política. "Meu orgulho vem de uma certeza: não é possível querer ser representantes do povo sem submeter-se ao julgamento do povo. Não há democracia sem eleição, assim como não deve haver governante sem voto. Não comecei ontem e não caí de pára-quedas."

A política externa do governo Lula voltou a ser atacada pelo candidato, mas sem referência explícita ao Irã ou à Bolívia, como fez recentemente. "Acredito nos direitos humanos, dentro do Brasil e no mundo. Não devemos elogiar continuamente ditadores em todos os cantos do planeta, só porque são aliados eventuais do partido de governo", afirmou.

Serra prometeu "acabar com a miséria absoluta" no país, ampliando a rede de proteção social para cerca de 27 milhões de brasileiros que estão na base da pirâmide. Hoje são atendidos pelo Bolsa Família cerca de 12 milhões de pessoas. O candidato não detalhou sua política econômica. Defendeu o combate a "três recordes internacionais" do Brasil: a segunda mais baixa taxa de investimento governamental do mundo, a maior taxa de juros reais do mundo e a maior carga tributária de todo o mundo em desenvolvimento.

Falou, de forma genérica, em gerar empregos, estimular a produção e o trabalho e fazer o Brasil crescer mais e com maior rapidez. O slogan "o Brasil pode muito mais" foi repetido algumas vezes. "Vamos abrir um grande canteiro de obras pelo Brasil inteiro, como fizemos em São Paulo. Estradas, portos, aeroportos, trens urbanos, metrôs, as mais variadas carências na infra-estrutura serão enfrentadas sem os empecilhos das ideologias que nos impedem de dotar o Brasil das do capital social básico necessário. É a falta de infra-estrutura que cria gargalos para o crescimento futuro e ameaça acelerar a inflação no presente", disse.

A Bahia foi escolhida para sediar a convenção nacional por ter o maior eleitorado do Nordeste e ser a porta de entrada da região, onde Serra tem seu pior desempenho. Mas não há, de fato, uma estratégia de conquista do eleitorado nordestino. A convenção foi na Bahia, porém o modelo era paulista. Faltava entusiasmo e sobrava militante profissional.

O palco da convenção foi organizado como um programa de auditório. Cerca de 250 cadeiras cercavam o púlpito, metade de cada lado. Eram reservadas às lideranças nacionais. O modelo recebeu críticas generalizadas por distanciar o candidato do militante.