Título: Briga pelos royalties poderia viabilizar a reforma tributária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2010, Opinião, p. A14

É fato conhecido que a destinação dos royalties do petróleo e de energia elétrica aos Estados e municípios produtores foi uma forma de compensar a decisão, tomada pelos constituintes de 1988, de fazer a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) desses dois produtos no destino e não na origem, como ocorre com todos as outras mercadorias.

À parte o fato de que a tributação no destino seria a forma correta de fazer incidir o ICMS, a questão é que, por um acerto político naquela época, que não cabe aqui discutir, deu-se tratamento distinto a apenas dois produtos. Os Estados e municípios produtores de petróleo e de energia elétrica perderam receita de ICMS e foram compensados com os royalties, instituídos pela Lei 7.990 de dezembro de 1989.

No início, a destinação dos royalties não causou grande cobiça da parte dos outros Estados pois essa receita era relativamente pequena. No fim dos anos 1990, a receita dos Estados e municípios com royalties do petróleo atingia pouco mais de R$ 600 milhões ao ano. Mas as descobertas e exploração de novos campos de petróleo por parte da Petrobras aumentaram significativamente esses recursos. No ano passado, os Estados e municípios produtores de petróleo ou que estão localizados em áreas confrontantes com os campos de petróleo localizados na plataforma continental ficaram com mais de R$ 9,3 bilhões.

A tendência é que esse bolo de recursos cresça ainda mais nos próximos anos, em função, principalmente, dos campos de petróleo localizados no chamado pré-sal. A expectativa do governo é a de que a produção de petróleo e gás no Brasil vai mais do que dobrar até 2020, atingindo o equivalente a 5,7 milhões de barris/dia. É fácil imaginar o que essa produção significará em termos de receitas com royalties para a União, os Estados e os municípios e como esses números afetam a ambição dos líderes políticos.

Hoje, a receita com os royalties e participação especial da atividade de exploração do petróleo beneficia diretamente 10 Estados e menos de 20% dos municípios brasileiros. Entre os Estados, o Rio de Janeiro e o Espírito Santos são os maiores beneficiários. Entre os municípios, predominam aqueles localizados no Rio de Janeiro. O incômodo dessa concentração aumentará com a elevação contínua dessas receitas. A discussão sobre os critérios de repartição dessa riqueza seria, portanto, inevitável.

Ela ocorre agora, por ocasião da redefinição do novo marco regulatório para a exploração do petróleo no pré-sal. Aprovada na Câmara, a emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) determinou que, ressalvada a participação da União, a parcela restante dos royalties e participações especiais fosse distribuída para todos os Estados e municípios de acordo com os critérios dos Fundos de Participação dos Estados e dos municípios. Essa nova forma de partilha dos royalties atingiria não apenas o pré-sal, mas toda a produção obtida a partir dos contratos de concessão feitos com base na Lei 9.478 de 1997, a chamada lei do petróleo. Os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santos, e seus municípios, repudiaram a emenda, com argumento de que ela inviabilizará suas finanças.

Na madrugada da última quinta-feira, o Senado aprovou uma emenda do senador gaúcho Pedro Simon (PMDB) que atribui à União o encargo de compensar os Estados e os municípios perdedores com a sistemática de partilha do deputado Ibsen Pinheiro. A expectativa generalizada é a de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetará a emenda Simon, pois acredita-se que ela será aprovada pela Câmara. Mas mesmo que Lula vete a emenda, é improvável que o Congresso desista da proposta em novembro, quando o assunto será novamente debatido.

A emenda Ibsen, retocada pelo senador Simon, é sem dúvida excessiva, pois atinge a produção já existente, alterando regras em vigor, o que pode levar a questionamentos infindáveis nos tribunais. O bom senso recomenda que as novas regras de partilha a serem definidas se atenham ao pré-sal.

Seria aconselhável que essa discussão ocorresse junto com a reforma tributária, pois foi o tratamento diferenciado do ICMS que deu origem às compensações financeiras pela exploração do petróleo e energia elétrica. A reforma, necessária para dar maior competitividade à economia, sempre foi paralisada pela falta de recursos para garantir a transição do atual para um novo modelo sem perdas para os entes federativos. Uma parte dos recursos do pré-sal talvez pudesse, finalmente, tornar possível a reforma tributária.