Título: Precisamos do Brasil', diz economista cotado a ministro na Colômbia
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2010, Especial, p. A16

Principal conselheiro econômico do candidato que lidera com folga a corrida presidencial na Colômbia, o economista Juan Carlos Echeverry diz que o país precisa do "know-how e do capital dos brasileiros" para fortalecer a agricultura colombiana. Depois de oito anos do governo do presidente Álvaro Uribe, cujas políticas de defesa tornaram o país mais seguro e o campo, em particular, menos vulnerável à ação de grupos armados, a Colômbia será o novo milagre agrícola da América Latina, acredita o economista. E, para isso, quer contar com a participação do Brasil. O interesse em ampliar laços com o país ocorre num momento em que a Colômbia enfrenta dificuldades políticas e econômicas com seu tradicional parceiro comercial, a Venezuela. Echeverry, visto como nome forte para comandar o Ministério da Fazenda num provável governo de Juan Manuel Santos, defende também um plano de choque para reduzir o alto grau de informalidade no mercado de trabalho. Outro alvo prioritário será atacar o problema que na opinião dos colombianos, segundo pesquisa recente, deve exigir a maior dedicação do novo presidente que será eleito em segundo turno neste domingo: redução do desemprego, hoje em 12,3% - a taxa mais alta entre as oito maiores economias da América Latina.

PhD em Economia pela Universidade de Nova York, Echeverry é professor da Faculdade de Economia da Universidad de Los Andes, em Bogotá, e comandou no início da década a Direção Nacional de Planejamento, instituição que orienta o governo central em questões de investimentos. Echeverry conversou com o Valor na semana passada no QG da campanha de Santos, na capital colombiana.

Valor: Qual foi o principal erro do governo Álvaro Uribe, que não conseguiu em oito anos reduzir a taxa de desemprego, uma das mais altas da América Latina, e o que o candidato Santos pretende fazer para mudar este quadro?

Juan Carlos Echeverry: A verdade é que se criaram empregos, dois milhões e meio de empregos. O problema é que muitos jovens tentaram entrar no mercado de trabalho. Uma coisa muito importante é fazer com o que os jovens fiquem na educação. Vamos fazer um programa muito importante, sobretudo para alunos de escolas públicas, que não têm recursos para pagar a universidade. Temos um plano para que os jovens entrem e permaneçam na universidade. A nossa meta é manter 300 mil jovens ao ano na universidade. Hoje, entram 60 a 80 mil e uns 240, 220 mil ficam de fora e tentam ir para o mercado de trabalho. Mas ninguém os contrata porque só têm o ensino médio. O primeiro a fazer é modificar a participação do jovens no mercado de trabalho, melhorando sua empregabilidade. Na Colômbia há oito milhões de pessoas que trabalham como informais, chamados de "por conta própria". Então temos um plano de formalização agressivo. Começaremos formalizando os setores mais drásticos: comércio, construção, restaurantes, hotéis, pequenos estabelecimentos que são informais e não pagam impostos nem a contribuição dos funcionários. Vamos conceder incentivos: dando acesso a crédito imobiliário para os trabalhadores dessas empresas, vamos certificá-los e durante dois anos não cobraremos impostos deles. Só depois disso vamos começar a cobrar paulatinamente. Em quatro anos estarão totalmente formalizados. Assim, parte substancial dos oito milhões que estão na informalidade estarão formalizados. E isso é muito importante porque renderá mais dinheiro para o sistema de aposentadoria e mais dinheiro para o sistema de saúde. Esse é o plano de choque: formação e formalização.

Valor: A Colômbia se converteu sob o atual governo num dos países com regras e condições mais atraentes na região para investidores. No entanto, Uribe é criticado na Colômbia por não ter conseguido traduzir a maior entrada de investimentos em ganhos significativos para as camadas mais pobres. Como o senhor imagina fazer que a população sinta as vantagens oferecidas ao grande capital?

Echeverry: A Colômbia tem uma disparidade muito grande. Temos um centro de riqueza em Bogotá, Medellín, Cali, Cartagena e na zona cafeeira que é rodeado de uma imensa população muito pobre, que forma também um cordão nas fronteiras. O que vamos fazer é seguir uma estratégia muito forte de redução da desigualdade, similar ao que fizeram os PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), que é igualar a infraestrutura, saúde e educação. Se fizermos isso, a desigualdade vai se reduzir.

Valor: E, na sua avaliação, essa redução da desigualdade estaria baseada em que fatores?

Echeverry:Crescimento e formalização são fundamentais. Além disso, numa agressiva política de construção de casas; vamos construir 300 mil, 500 mil casas ao ano, a maioria delas para interesse social. E ter uma casa permite muitas coisas: é um ativo, que pode, por exemplo, ser garantia de crédito. Uma política muito agressiva de educação, de gratuidade de educação primária, e políticas de emprego. Na Colômbia há um programa parecido com o Bolsa Família, que é o Famílias em Ação, que alcança 2,5 milhões a 3 milhões de famílias. E há outro programa de benefícios muito grande, o Sisben, sistema de beneficiários. A Colômbia já tem uma rede de apoio social importante que há que fortalecê-la e, sobretudo, fazê-la financeiramente viável. Então estamos falando de uma mescla equilibrada de crescimento, emprego, formalização e apoio aos pobres.

Valor: Chama atenção o senhor ter mencionado os PIIGS...

Echeverry: O que digo é que o centro da Europa, nos últimos 20, 25 anos, deu um fundo para ajudar Espanha, Portugal. E esse fundo me inspirou para propor isso aqui, onde há províncias super ricas e outras super pobres, como em outros países da América Latina, e é preciso subsídios do Estado para reduzir isso.

Valor: Muitos exportadores colombianos já redirigem suas vendas para outros destinos para compensar a decisão de Hugo Chávez de bloquear o comércio com a Colômbia. A Venezuela continua sendo fundamental para a Colômbia?

Echeverry:A Venezuela é fundamental e será fundamental pelos próximos 500 anos. Venezuela e Colômbia são como Brasil e Argentina. Somos um mercado natural. Venezuela é um país rico, de alto poder aquisitivo, de alto consumo e a Colômbia é um país de alta produção. Apesar dos vai e vens de curto prazo, Venezuela e Colômbia têm uma história de mútua vivência e assim continuará sendo.

Valor: A questão pessoal entre Santos e Chávez, que se criticaram duramente quando Santos ainda era ministro e durante campanha não será um problema para a retomada das relações?

Echeverry: Eu sou economista e penso como tal. E penso que o melhor interesse da Venezuela está em fazer comércio com a Colômbia e o melhor interesse da Colômbia está em comercializar com a Venezuela. No meio podem haver disputas pessoais, mas no fim vai prevalecer os interesses comerciais.

Valor: Em que medida os exportadores colombianos já conseguiram se adaptar ao fechamento do comércio com a Venezuela?

Echeverry:A metade já conseguiu encontrar mercados alternativos. Perdemos US$ 1 bilhão nos quatro meses deste ano em exportações para Venezuela e em outros mercados recuperamos US$ 500 milhões. Aumentamos muito para a China, EUA um pouco, América Latina, incluindo Brasil, México e Europa.

Valor: Sobre o déficit público que hoje está em 4,5% do PIB, o senhor vê nas privatizações uma saída para reduzir esse número?

Echeverry: Não temos muito mais o que privatizar. Ecopetrol está privatizada. Não estamos propondo privatizar mais.

Valor: Mas os senhores descartam essa saída?

Echeverry:Não, não, não. Nosso princípio fundamental é "não ao fundamentalismo". Se há coisas que precisam ser feitas, que se façam. Isagen [empresa de energia] é uma empresa que Santos já disse que não por razões fiscais não quer privatizá-la. Poderia ser privatizada por razões estratégicas, não fiscais. Então não está em nossa agenda e, na verdade, não há muito mais em grande quantidade para se privatizar. Já foram privatizados o gás, os bancos, as telecomunicações, quase tudo está assim. Valor: Ainda sobre o déficit, o candidato da oposição Antanas Mockus propôs aumentar os impostos aos ricos para reequilibrar as contas. Concorda com essa saída?

Echeverry: Não, não. Creio que é preciso baixar os impostos. A carga fiscal sobre a renda está em 33%. Está muito alta. Creio que é preciso baixá-la seguindo o padrão do Brasil. O Brasil tem 27%, aqui seria 26%, para competir com Brasil e México. Brasil e México tem economias de escala e Colômbia tem nichos. Colômbia tem um mercado de 200 milhões de pessoas próximas, no Caribe, na América Central, no sul dos Estados Unidos. Então é um mercado atrativo. E quando multinacionais vêm interessadas na região, olham para Brasil e México mas também para a Colômbia.

Valor: Qual é a proposta de Santos para reduzir o déficit?

Echeverry: A criação de um fundo soberano de longo prazo baseado na receita do petróleo, além da formalização, do crescimento da economia e a revisão de benefícios tributários. Em 2014, queremos estar numa situação de equilíbrio fiscal.

Valor: Sua ideia de desenvolvimento se baseia em quais setores?

Echeverry: Mineração é o primeiro; agricultura, o segundo, com aposta em produtos novos, além de café e flores, palma, frutas, hortaliças, cacau e outros. Vou ao Brasil conhecer o Cerrado brasileiro, conhecer a Embrapa , já falei com o embaixador e ele vai me ajudar a ir. E por quê? Porque Colômbia terá um milagre agrícola como teve Chile, Brasil, Peru, México. Precisamos de um milagre agrícola que antes não era possível por causa da guerra. Mas sem guerra, temos uma capacidade de produção agrícola muito grande. E é preciso fazer muitas coisas bem para que esse milagre possa mesmo ocorrer.

O terceiro setor é o de infraestrutura: estradas, portos aeroportos telecomunicações. Quarto: habitação nas cidades; e quinto, inovação.

Valor: O Estado gasta o equivalente a 6,5% do PIB em Defesa. Isso ajudou Uribe a conseguir a enfraquecer o poder de fogo da guerrilha e dos paramilitares. Há espaço agora para uma redução nos gastos com Defesa?

Echeverry: Não porque agora é uma questão de recomposição dos gastos, em menos com militares e mais com polícia. Nós temos mais dez anos pela frente de consolidação. Essas zonas foram recuperadas e é preciso consolidar a presença do Estado, da polícia, das instituições de Justiça e instituições sociais.

Valor: Os gastos do PIB seguiram os mesmos?

Echeverry: Sim, se estabilizam em dez anos.

Valor: Em quais setores os investimentos brasileiros teriam mais espaços na Colômbia?

Echeverry: Há seis ou oito meses, o Itaú e outro banco brasileiro vieram aqui e eu os atendi. Há uma crescente onda de investimentos brasileiros. Há empresas muito grandes em carvão e petróleo. Mas esperamos atrair muitos brasileiros para a agricultura. Colômbia será o novo milagre agrícola da América Latina e precisamos do know-how dos brasileiros, do capital dos brasileiros, da capacidade de produzir dos brasileiros na Colômbia. Acho que o Brasil tem uma vantagem, conhece o risco, e tem apetite pelo que pode encontrar na Colômbia. Um suíço vem à Colômbia e pode ser diferente. Os brasileiros conhecem a região, não se assustam, há semelhanças culturais de clima. E cada vez mais há investimentos brasileiros aqui. No colégio dos meus filhos, antes ensinavam inglês e francês. Agora ensinam inglês e português. E sabe por quê? Porque os pais das crianças disseram que têm perdido postos e oportunidades em multinacionais porque não sabem português. Então, tiraram o francês e puseram o português.

Valor: A Colômbia vai se aproximar mais da China para compensar o fato de que a aprovação pelo Congresso dos Estados Unidos de um tratado de livre comércio estar se arrastando há anos?

Echeverry: Não, são coisas complementares. É preciso abordar a todos, o Brasil, a China os EUA. Somos sócios naturais dos EUA há 100 anos e vamos continuar sendo. Temos que fortalecer nossa relação com Brasil, China e também com a Europa.