Título: Energia planejada dá conta de um PIB forte
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2010, Brasil, p. A3

O crescimento do consumo de energia elétrica no Brasil - 9,5% nos primeiros quatro meses de 2010 em relação a igual período do ano passado - resultou do forte aquecimento econômico. As estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que será necessário acrescentar anualmente 6.300 megawatts (MW) de geração nova até 2019 para atender ao aumento do consumo. A pergunta que se faz é como será possível adicionar o equivalente a meio Belo Monte - maior usina em construção, com 11.233 MW - de geração nova a cada ano para não comprometer o suprimento do país. "Vai ser tranquilo", responde o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim.

O planejamento do governo prevê que mais da metade da demanda até 2019 seja atendida por hidrelétricas (55,5%), mas a novidade é a previsão de atender 23% com fontes alternativas, como eólica e bagaço de cana. Combustíveis fósseis, como carvão e gás, respondem por 19% do planejamento - que não prevê a contratação de nenhuma térmica a gás a partir de 2015 - enquanto as usinas nucleares, incluída Angra 3, em construção, ficariam com 2%.

"O que dá tranquilidade é que praticamente não há limite no que se pode acrescentar de geração térmica a carvão e a gás (no país), além do grande potencial disponível de biomassa e eólica. Nesses dois casos o preço não é nenhuma barbaridade. Não vai faltar energia. Costumo dizer que existe o plano A, que é aumentar a geração hidrelétrica, e o plano B, que é aumentar a participação da geração termelétrica ou renovável. Mas faltar, não vai. Angra 3 já começou a ser construída e ela já está contabilizada", diz Mário Veiga, presidente da PSR Consultoria.

Especialistas e representantes de associações de consumidores concordam. A preocupação é com o preço e com a possibilidade de se "sujar" a matriz com energia térmica a carvão, por exemplo, no caso de atraso das hidrelétricas. "Eu acho difícil atender a essa demanda com uma expansão limpa a custo baixo e ambientalmente viável", pondera Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel).

Luciano Pacheco, diretor da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), também acha possível adicionar essa quantidade de energia por ano, mas reclama que o setor não tem acesso aos projetos e aos processos de inventário.

Veiga, da PSR, acha factível essa previsão, mas diz que o desafio do governo é viabilizar a oferta prevista de hidrelétricas, considerando-se as dificuldades de licenciamento ambiental. "Se me perguntam se existem opções para garantir a demanda do país, a resposta é sim. Se vai ser possível garantir a demanda com predominância hidrelétrica, vamos ver", acrescenta.

Nas últimas semanas outra dúvida cresceu diante do desempenho da economia brasileira no início deste ano. Enquanto as projeções do governo e dos economistas apontam para um PIB 7% maior no ano, o planejamento da EPE embute uma expansão da economia de 5,1% em 2010 e igual percentual para o aumento do consumo.

Mesmo assim, analistas do setor não veem riscos dessa aceleração do crescimento consumir antes do tempo a folga existente na geração desse insumo. Para Veiga, o Brasil tem alternativas para suprir o aumento da atividade econômica caso a previsão de entrada de novas hidrelétricas não se efetive ou o PIB cresça acima do previsto.

O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2019 indica a entrada em operação de 63.482 MW de energia nova nos próximos dez anos. Desses, 39.740 MW (ou 63%) já foram contratados, como as usinas Jirau e Santo Antonio, e outros 23.742 MW estão planejados.

Segundo o presidente da EPE, quando se consideram os "excedentes" na geração, a oferta de energia vai suportar um crescimento de 7% a 7,5% do PIB. Segundo ele, os dados da EPE são conservadores, porque o planejamento não considera as usinas listadas como "sem previsão" pela superintendência de fiscalização de serviços de geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ali, as novas usinas que vão entrar até 2014 somam 41 mil MW. A EPE, contudo, considera apenas 29,7 mil MW, dos quais 27 mil já contratados e 2,1 mil a serem contratados de fontes alternativas.

Para 2010 a EPE trabalha com a perspectiva de leiloar quatro novas hidrelétricas de 150 MW a 300 MW em julho. Até o fim do ano a lista inclui Cachoeira (63 MW), Castelhano (64 MW) e a maior delas, São Luiz do Tapajós, de 6.133 MW, em fase de licenciamento. No rio Tapajós, essa usina está prevista para entrar em operação em 2016 e seria leiloada apenas em 2011, mas a EPE vai antecipar para 2010, adiantou Tolmasquim ao Valor.

Se depender do número de empresas (480) inscritas para os leilões para compra de energia de reserva marcados para agosto deste ano, não faltará energia renovável no país. Os projetos somam 14.529 MW, sendo 10.569 MW apenas de energia eólica. Mesmo assim, Ruberval Baudini, presidente da Associação Brasileira de Energias Alternativas e Meio Ambiente (Abeama), reclama da pouca participação de energias renováveis na matriz energética. "Temos a maior matriz energética do mundo baseada em hidreletricidade e também a maior insolação, mas não vemos a energia solar com essa força", diz Baudini.

Um fato incontestável é que no período de 2009 a 2015 o preço da energia no Brasil vai subir, como resultado dos contratos já firmados nos leilões principalmente de usinas térmicas. Recentemente em um fórum em São Paulo a PSR mostrava que nesse período (2009-2015) haverá um aumento real de 22% na tarifa de energia.