Título: Confusa integração da América Latina
Autor: Varas , Augusto
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2010, Opinião, p. A13

Integração regional é normalmente considerada uma forma de os países se fortalecerem. Mas os atuais esforços de integração regional na América Latina parecem ter um efeito completamente diverso. Eles são invocados para ajudar os proponentes de diferentes planos a se posicionarem para ganhar poder e influência nos cenários regional e mundial.

Na realidade, nenhuma das iniciativas em curso visando impulsionar a integração regional latino-americana tem alguma semelhança com os processo de integração europeia. Também não podem ser considerados como primeiros passos no rumo de tal destino compartilhado, como foi o Tratado Europeu para o Carvão e o Aço, de 1952, que iniciou o projeto da unidade europeia.

À primeira vista, o bombardeio quase constante de propostas de integração na América Latina faz parecer que os presidentes na região estão tentando superar-se uns aos outros, para ver quem consegue oferecer o maior número de propostas. Ao mesmo tempo, pouca atenção é dada às instituições já estabelecidas na região, em estado deprimente.

Considere o Mercosul, principal iniciativa regional pós-Guerra Fria. De acordo com o estudioso argentino Roberto Bouzas, o Mercosul está em condições críticas devido à incapacidade das instituições de manter os objetivos comuns que levaram seus Estados membros a participar do processo de integração regional e à consequente perda de foco e da capacidade de priorizar os problemas políticos subjacentes. Diagnósticos semelhantes são feitos com relação ao Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), à Comunidade Andina de Nações (CAN) e a outras organizações regionais.

O que vem contribuindo para a essa perda de dinamismo é a enxurrada de propostas produzidas pela Venezuela, entre as quais a Alternativa Bolivariana para as Américas (a ALBA, com o seu próprio exército permanente), o Tratado de Comércio dos Povos (TCP), o Banco do Sul, e a Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS). Algumas das iniciativas venezuelanas não estão indo a lugar algum, porém outras, como Petrocaribe, Petrosul e TeleSUR, estão decolando.

Por outro lado, o Brasil tem intenção de assumir um papel político regional e mundial que corresponda a seu crescente peso econômico. O desafio é encontrar um papel regional compatível com a dimensão do país, mas que não crie desconfiança e ao mesmo tempo beneficie o resto da região.

A proposta da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), como o Conselho de Defesa Sul-Americano, fazem parte de uma estratégia brasileira para promover cooperação regional na América Latina a fim de contrabalançar o poder dos EUA e atuar como mediador em desacordos regionais. Embora a proposta da Unasul possa ter sido formulada de forma mais rigorosa do que outras iniciativas, por não contemplar integração comercial, nada há que possa interligar os Estados membros além de vontade política.

As discussões sobre o livre comércio internacional, no entanto, têm sido geralmente realizadas fora da região, em Doha ou no G-20, onde a Argentina, o Brasil e o México representam a América Latina. Embora a Unasul pretenda avançar para além de acordos de livre comércio, isso exige uma integração mais ágil no seio da organização, uma integração que expanda seu atual papel de fórum para discussão de problemas e buscar soluções para a América Latina como um todo.

A Unasul, no entanto, ressaltou o esfriamento das relações entre Brasil e México, que não é membro da nova organização. Isso pode muito bem produzir um impacto sobre o coordenação regional política futura, embora não tenha sido descartada uma futura adesão do México. (Além disso, a participação do presidente mexicano Felipe Calderón na Cúpula Latino-americana e Caribenha para Integração e Desenvolvimento, na Bahia em dezembro de 2008, sugere que o México não virou as costas à possibilidade de coordenar posições regionais).

O Conselho de Defesa Sul-Americano, no entanto, perdeu sustentação. Para aumentar sua eficácia, a desconfiança que permeia a Unasul precisa ser mitigada e as metas dos Estados membros devem ser mais claramente definidas. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito ao Brasil, fonte de grande parte dessa desconfiança.

Por último, o presidente do Equador, Rafael Correa, propôs há algum tempo uma Organização de Estados Latino-americanos para substituir a Organização dos Estados Americanos (OEA). Embora a inclusão de todos os Estados latino-americanos contribua em alguma medida para a reparação do debilitado eixo Brasil-México e crie um ambiente novo e mais positivo para coordenação política futura, é improvável que essa nova organização contribua substancialmente para uma integração regional efetiva.

A falta de políticas regionais comuns é particularmente visível nas áreas de defesa regional e de segurança interna, onde foi impossível identificar uma posição comum sobre tensões entre países, sobre a luta contra o crime organizado e sobre o tráfico de drogas. Essas dificuldades são agravadas pela incapacidade da OEA de abordar situações complexas, como o golpe de Estado em Honduras, o conflito entre o Equador e a Colômbia ou problemas regionais mais amplos.

Essa paralisia regional poderá piorar, como resultado de crescente nacionalismo, de intensificação das divisões sociais no seio dos Estados; da proliferação de armas e do aumento nos gastos militares e de degradação ambiental. Parece que a América Latina abandonou os princípios, compromissos e bases de integração regional completa. Com efeito, os interesses nacionais e egos nacionalistas já ocuparam o centro do palco.

Augusto Varas é presidente da Fundação Equitas (Chile).Copyright: Project Syndicate, 2010.